Nos comentários políticos recentes, há uma tentativa (cretina, por que não?) de dicotomização e de tipificação ideal do "manifestante" - algo que me incomoda muito. Uma coisa que parece fora do horizonte desses "comentários" - talvez por estar demasiado escancarado - é que a insígnia do Estado é o "monopólio do uso da violência", a racionalização do uso da violência. Ora, o quase querigmático "sem violência" me parece uma espécie de fantasia, de quase redentorista anseio (e a linguagem é teológica mesmo!!!) por uma salvação "an-histórica", de um "como se" fosse político.
Num levante, ser atento, forte e não vacilar, pode ser, por vezes, resistir com violência. E ainda que haja uma tentativa de nivelamento dos gestos que estão em jogo, existe uma diferença imensa nas violências: por um lado, uma violência na manutenção de uma "ordem", isto é, o uso "legítimo da violência"; por outro, a irrupção de um possível outro tipo de "violência" - valha-me Walter Benjamin! -, de um "acontecimento" sem rumos ou rédeas...
Acompanhando a "estetização" que muitas vezes acontece nessa "ida à rua" - e ontem, aqui em Florianópolis, senti um pouco disso: a "manifestação limpinha", um coaxar de nacionalismo fascistoide etc. - às vezes me sinto perdido em meio ao que tem acontecido nos últimos dias. Mas isso, esse incômodo, é muito bom! É, talvez, o sinal de que, ao menos por ora, não há prognósticos! Não há previsibilidade! E isso é Política! Isso tem um mínimo de "ação" em jogo!
Lembro do "thymós", a ira - uma das características da psyché -, dos gregos, tão esquecido nesses "comentários políticos" do momento: com esse discurso monocórdico do "ordeirismo", parece-me que qualquer "violência" (como resistência!) é colocada na compreensão que foi dada ao "thymós" pela tradição "teológica" (desde, ao menos, Gregório I): "superbia", o orgulho, algo que deve ser afastado de um "homem bom e ordeiro" pois, se a "tivéssemos", caminharíamos para a autodestruição.
Parece que, para além da perspectiva "ruinosa", é preciso um furor timótico imprevisível! Insurreição é abertura, é construção de novos sentidos - a "mínima máxima" do um pouco de possível, senão sufoco! Diria Alain Badiou que "a única crítica perigosa e radical é a crítica política e em ação da democracia. Porque nos nossos países o emblema do tempo presente, seu fetiche, é a democracia. Enquanto nós não soubermos colocar em movimento, em grande escala, uma crítica criativa da democracia, estaremos estagnados no bordel financeiro das imagens."
Ora, o fetiche da ordem (e fetiche é algo típico da mercadoria, do capital, do que coloca a política num puro jogo "econômico"), é uma diagnose que não pode ser descartada. Não há que se esperar por nada! A contingência da ocupação do espaço público não é a expectativa de novas lideranças, de satisfação de anseios, de retratação pública por parte de políticos etc.. Não se trata simplesmente de um avance contra generalidades, abstrações (corrupção, governos etc.), mas de algo direcionado.
Para Florianópolis, p.ex., algumas dessas causas materiais poderiam ser elencadas: contra uma imprensa local que, estreitamente ligada ao poder público, defende interesses espúrios de grupos empresariais (o Estado como bancada de negócios...); contra a concessão de licenças para construção e ocupação de terrenos públicos (e, como exemplo, a Ponta do Coral - e aguardemos as cenas dos próximos capítulos...); contra um transporte público cretino que, numa ilha, sequer possibilita qualquer tipo de transporte marítimo. E, sobre os transportes: como estão os contratos de concessões? Quais as margens de lucro das empresas?
No plano federal, muitas outras causas podem ser apontadas: os contratos bilionários com as empresas nas construções dos "Estádios da FIFA." etc.; como o Estado, por meio dos governos, saneia instituições financeiras e grupos financiadores de campanhas (lembremos: Marka, FonteCindam etc.). Enfim, há coisas muito materiais em jogo!!!
De todo modo, é bom que se entenda que não postulo a uniformização das demandas. Só lembro que há materialidades nas lutas! Não uma simples fanfarronice que, tão logo alguém assuma um discurso político convincente, seja restaurada num "status quo" que limpe tudo, como uma onda faz com a marca de nossos passos na areia. Por isso, acho importante não fixarmos o olhar no horizonte dos "grandes ideais" (que, como o horizonte, nunca alcançamos), mas ser atentos para o que está a olhos nus na nossa frente.
Num levante, ser atento, forte e não vacilar, pode ser, por vezes, resistir com violência. E ainda que haja uma tentativa de nivelamento dos gestos que estão em jogo, existe uma diferença imensa nas violências: por um lado, uma violência na manutenção de uma "ordem", isto é, o uso "legítimo da violência"; por outro, a irrupção de um possível outro tipo de "violência" - valha-me Walter Benjamin! -, de um "acontecimento" sem rumos ou rédeas...
Acompanhando a "estetização" que muitas vezes acontece nessa "ida à rua" - e ontem, aqui em Florianópolis, senti um pouco disso: a "manifestação limpinha", um coaxar de nacionalismo fascistoide etc. - às vezes me sinto perdido em meio ao que tem acontecido nos últimos dias. Mas isso, esse incômodo, é muito bom! É, talvez, o sinal de que, ao menos por ora, não há prognósticos! Não há previsibilidade! E isso é Política! Isso tem um mínimo de "ação" em jogo!
Lembro do "thymós", a ira - uma das características da psyché -, dos gregos, tão esquecido nesses "comentários políticos" do momento: com esse discurso monocórdico do "ordeirismo", parece-me que qualquer "violência" (como resistência!) é colocada na compreensão que foi dada ao "thymós" pela tradição "teológica" (desde, ao menos, Gregório I): "superbia", o orgulho, algo que deve ser afastado de um "homem bom e ordeiro" pois, se a "tivéssemos", caminharíamos para a autodestruição.
Parece que, para além da perspectiva "ruinosa", é preciso um furor timótico imprevisível! Insurreição é abertura, é construção de novos sentidos - a "mínima máxima" do um pouco de possível, senão sufoco! Diria Alain Badiou que "a única crítica perigosa e radical é a crítica política e em ação da democracia. Porque nos nossos países o emblema do tempo presente, seu fetiche, é a democracia. Enquanto nós não soubermos colocar em movimento, em grande escala, uma crítica criativa da democracia, estaremos estagnados no bordel financeiro das imagens."
Ora, o fetiche da ordem (e fetiche é algo típico da mercadoria, do capital, do que coloca a política num puro jogo "econômico"), é uma diagnose que não pode ser descartada. Não há que se esperar por nada! A contingência da ocupação do espaço público não é a expectativa de novas lideranças, de satisfação de anseios, de retratação pública por parte de políticos etc.. Não se trata simplesmente de um avance contra generalidades, abstrações (corrupção, governos etc.), mas de algo direcionado.
Para Florianópolis, p.ex., algumas dessas causas materiais poderiam ser elencadas: contra uma imprensa local que, estreitamente ligada ao poder público, defende interesses espúrios de grupos empresariais (o Estado como bancada de negócios...); contra a concessão de licenças para construção e ocupação de terrenos públicos (e, como exemplo, a Ponta do Coral - e aguardemos as cenas dos próximos capítulos...); contra um transporte público cretino que, numa ilha, sequer possibilita qualquer tipo de transporte marítimo. E, sobre os transportes: como estão os contratos de concessões? Quais as margens de lucro das empresas?
No plano federal, muitas outras causas podem ser apontadas: os contratos bilionários com as empresas nas construções dos "Estádios da FIFA." etc.; como o Estado, por meio dos governos, saneia instituições financeiras e grupos financiadores de campanhas (lembremos: Marka, FonteCindam etc.). Enfim, há coisas muito materiais em jogo!!!
De todo modo, é bom que se entenda que não postulo a uniformização das demandas. Só lembro que há materialidades nas lutas! Não uma simples fanfarronice que, tão logo alguém assuma um discurso político convincente, seja restaurada num "status quo" que limpe tudo, como uma onda faz com a marca de nossos passos na areia. Por isso, acho importante não fixarmos o olhar no horizonte dos "grandes ideais" (que, como o horizonte, nunca alcançamos), mas ser atentos para o que está a olhos nus na nossa frente.
O muito intrigante Furio Jesi, com uma inteligência e agudeza incríveis, certa vez disse:
"Pode-se amar uma cidade, podem-se reconhecer as suas casas e as suas ruas nas próprias memórias mais caras ou secretas; mas apenas na hora da revolta a cidade é sentida verdadeiramente como a 'própria' cidade: própria, pois ao mesmo tempo do eu e dos 'outros'; própria, pois campo de uma batalha que se escolheu e que a coletividade escolheu; própria, pois espaço circunscrito em que o tempo histórico é suspenso e em que todo ato vale por si mesmo, nas suas consequências absolutamente imediatas. Apropriamo-nos de uma cidade fugindo ou avançando no alternar-se dos ataques, muito mais do que brincando como crianças por suas ruas, ou por elas passeando mais tarde com uma moça. Na hora da revolta, não se está mais só na cidade."
A suspensão do tempo histórico - aquilo que, de outro modo, os gregos chamavam "kairós", o "tempo oportuno" - é o que marca o "possível" enquanto tal. Não o possível no quadro dos arranjos, das escolhas, mas o novo, o inesperado, o imprevisto, o imponderável. A irrupção de algo! O dar-se conta da própria impotência - consciência essa que é, talvez, uma das únicas coisas capazes de constituir o nosso agir, isto é, nosso resistir. E, com isso, lembro Gilles Deleuze:
"Diz-se que as revoluções têm um mau futuro. Mas não param de misturar duas coisas, o futuro das revoluções na história e o devir revolucionário das pessoas (...). A única oportunidade dos homens está no devir revolucionário, o único que pode conjurar a vergonha ou responder ao intolerável."
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