terça-feira, 29 de outubro de 2013

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Penso que este deserto foi construído. É povoado por ruídos metálicos, vozes, milhões de fotografias virtuais, mas não passa de um deserto mesquinho forjado na solidão e no desespero de muitos. Não, eu não tenho facebook. Você me encontrará nos lugares mais inapropriados, como um bicho, buscando uma toca para se esconder. Meu desespero não se resolve nisso aí. Não quero ser como o pároco de Unamuno que, mesmo se vendo ateu, continua com suas liturgias, invectivas, com o lenga-lenga. Tenho ojeriza a pregações, mesmo o breviário religioso dos "malditos" de departamento. A filosofia, a literatura, as ciências humanas em geral foram indevidamente apropriadas pelos canalhas e pelos parasitas de cátedra, pelos "coletivos", pelos famintos por um nome literário ou, simplesmente, "curtidas". Basta. Mudar a vida e semear no deserto sem ser um pregador? Mas não se pode plantar nada em desertos artificiais, e este deserto foi construído à base de forjas pesadas, com camadas impenetráveis de galvanização. Não, nem a guerrilha, o último  poço dos escrúpulos quixotescos, nem o ópio barato, apenas um buraco, uma proteção provisória contra o relento mortífero, onde eu possa dormir algumas noites de sono tranquilo, um sono sem sonhos, só. Condenado ao deserto quero fazer deserto ao meu jeito, exijo que não o edulcorem, estas tábuas frias, palavras e objetos perdidos serão o rastro de alguém que quer ser esquecido.     

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