A noite seguiu insólita, talvez como jamais antes. Uma espécie de monólogo esquizofrênico tomava conta de sua cabeça e, como um toureiro a bailar com o animal ferido na arena, parecia que aquela voz, tão sua e, ao mesmo tempo, tão outra, era a única coisa a povoá-lo. Já estava certo de não ser o valente homem paramentado para o virtuosismo, mas sim o touro fragilizado e que espumava de ódio e cansaço. A voz era incansável e dela não havia fuga. Foram seis horas de desespero, talvez a tourada mais custosa de toda sua vida noturna, e, desta vez, não em sonho. Assim que percebia a fadiga do insone, a voz girava sua muleta vermelha, a única coisa com cor desta noite, e com seus volteios o deixava ainda mais atônito. Por que tamanha dureza? Por que essa retração aos obscuros cantos das conversas infinitas, onde essa voz de ninguém - desse eu envaidecido e, por isso, covarde - se gabava da sua soberania? A infinita tristeza parecia arrolar uma lista com todos os tique-taques percebidos e contados pela voz nesta noite. Era uma técnica de tortura? Cansado e sangrando em demasia, o insone - que, tolo, pensava não ter nada a ver com esse eu - desistiu da entrada nos sonhos e abraçou o pesadelo com os olhos abertos. A noite havia preparado, com seus sopros frios das mensagens de demência e morte, a espada. Era a parte final do espetáculo noturno da tauromaquia. Entre a carne viva e lamuriante distendida sobre o leito e a feroz voz imperiosa armada com sua espada não havia mais nenhuma distância. A lâmina penetrava, fria e lancinante, e, sem mais, não deixou senão suas marcas, seus traços: estes, justamente estes, as letras, com os quais agora, como um vagabundo do Hades, desenho a dança da noite.
Imagem: Francisco de Goya y Lucientes. A Arena dividida. 1825. Biblioteca Nacional, Madrid.
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