quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Exterioridades puras



A formação de uma exterioridade não é a simples passagem da imanência à transcendência. Exterior é o plano que se expõe em sua imanência puramente irredutível e monadológica. A transcendência não passa de um efeito aparente, uma dobra, que transborda de um continuum que a tudo perpassa. Não há e nem pode haver - e isso foi formulado de forma pungente em Espinosa e Deleuze - uma imanência pensada como plano imanente a algo (à vida, ao Sujeito, à consciência, etc.). “É quando a imanência é imanência apenas a si que se pode falar de um plano de imanência. Assim como o plano transcendental não se define pela consciência, o plano de imanência não se define por um Sujeito nem por um Objeto capaz de o conter.”[1] Bento Prado Jr., na conferência em que analisa o conceito de plano de imanência a partir do opúsculo “O que é a Filosofia” de Deleuze/Guattari, propositadamente intitulada “Plano de Imanência e Vida”, assevera que se o plano de imanência, como instância que precede a própria relação entre sujeitos e objetos (sendo simultaneamente contemporâneo e quase coextensivo à formação de conceitos na instauração filosófica[2]) fosse imanente à vida, ele perderia imediatamente sua aseitas (na expressão escolástica “um ser que contém em si próprio a razão de seu ser”), transformando-se em mera abaleitas (o ser que depende de outra instância - ou outro ser - para sua existência). Contudo, “o imanente que não é imanente a nada específico é ele mesmo uma vida. Uma vida é a imanência da imanência, uma imanência absoluta: ela é potência e beatitude completas.”[3] Este empirismo radical, indeterminado e indeterminável de uma vida (o artigo indefinido evidencia-se no qualificativo que invalida toda e qualquer qualificação) é a forma de uma exterioridade indômita que avassala próteses de exterioridade fundadas em não-lugares místicos, fantasmáticos ou mantidos à base de armas. É o que sempre está lá e se manterá mesmo quando os últimos ventos da catástrofe soprarem, ponto de velocidade e passividade infinitas... Um menino brincando com algumas pedras.


[1] DELEUZE, Gilles. A imanência: uma vida... (Tradução de Alberto Pucheu e Caio Moreira). p. 161.
[2] Pois o plano de imanência, “sem os conceitos que nele inscrevem ossatura e coluna vertebral” dissolver-se-ia em “puro fluxo sem consistência e, no limite, em puro caos.” PRADO JR., Bento. Erro, ilusão, loucura. São Paulo: Ed. 34, 2004. p. 151.
[3] DELEUZE, Gilles. Idem. Ibidem.

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