Distraído, enquanto brincava com a borra de café no fundo de sua xícara, tomou em suas mãos o livro de Gamoneda que estava já há dias folhando - acho que nunca se lê um livro de poesias - e leu em voz alta:
"Tu nombre fue sólo viento en los labios de los suicidas.
Tu rostro fue labrado por la lluvia: sobre la ciega máscara aparecían surcos miserables y párpados y una boca amarilla, pero siguió lloviendo y, un instante, bajo las hebras transparentes, tu rostro fue posible y su belleza se confundía con la luz, pero siguió lloviendo y se perdió como la tierra desgastada por el llanto.
Indescifrables son tu nombre y tu rostro; quizá no has existido,
sin embargo, has llegado a la vejez y haces gestos impuros, también indescifrables."
Diante dele, agora, era como se a cena do poema ganhasse corpo em sua voz, esta, inconfundivelmente atropelada por um timbre que não era o seu. Era como se a chuva, insistente no poema, rompesse todo o hiato entre as palavras e as coisas e começasse a encharcá-lo por inteiro, como nas brincadeiras de rua dos tempos de criança. Já não era o nome próprio - que nem ao menos sabia qual era - o vento nos lábios dos suicidas. Já não eram as palavras as vestes do nome próprio. Já não era o rosto a face das palavras. No entanto, os indecifráveis rosto e nome, que ao poeta eram tocados apenas na impureza de seus gestos sob a chuva, a ele apareciam vestidos com sua voz, molhados pela incessante chuva. E, naquele exato momento, tomado por um estupor, percebeu que acabara de conceber o inconcebível.
Imagem: Francis Bacon. Head VI. 1948.
Nenhum comentário:
Postar um comentário