terça-feira, 26 de junho de 2012

Teses hermético-caosmológicas



Preocupação de saber-se louco por querer a todo instante controlar o pensamento que não cessa de querer pensar-se. Parece que este Frank Sinatra com Tony Bennet entra em minha mente e não quer deixar, assim como esta risada alheia e aleatória que atrapalha toda minha concentração neste ponto obscuro do pensamento que é a falta constante em relação a si mesmo. É, neste momento, como a linguagem que brota naturalmente no meu discurso e é impossível acompanhar meu pensamento. Então que ambiguidade é essa da linguagem, que formata nossas categorias de pensamento e é meio de comunicação, que não me permite equalizar pensamento e ação? Como pensar essa profundidade do tempo que parece a todo instante aparecer entre o pensamento e a escrita? Qual é a falha, ou fortuna, da linguagem ao criar esse espaço? Como deixar com que o pensamento capture a si mesmo sem extinguir-se como pensamento? A hundred and tenth street... Como voltar a pensar o pensamento se a todo instante estamos capturados pela ausência de separação efetiva entre escrita e linguagem, ainda que sejam efetivamente separadas?
Agora não consigo confiar em mais nenhum pensamento meu... parece que a traição da linguagem em relação ao pensamento e do pensamento em relação à linguagem não cessa de não acontecer. Como se pensar fosse impossível... e penso em Benjamin em Marselha... toca Bonobo no meu rádio. Sinos e suave piano atrapalham a angustiante tarefa de correr atrás daquele pensamento que há pouco parecia ser a única coisa capaz de garantir a existência e permanência de algo. Não estou sendo cartesiano ao querer instituir um parâmetro para o pensamento impensável? Como se... apaguei a frase que estava escrevendo e isso é mais uma prova da insistência desse algo anfibológico que é a linguagem. Comecei a apagar com mais frequência, como se apagar o grafado fosse uma forma de cancelar o pensado (na tentativa de condenar o pensável). É de um problema de tempo que a linguagem deve tratar. O tempo de composição do pensamento na linguagem (afirmação indolente se pensamento é linguagem). Desde sempre o deslocamento da palavra da esfera da simples expressão de espanto do homem diante do mundo que lhe é exterior (-st a raiz indoeuropeia) para a mediação por excelência que é a linguagem-pensamento em comunicação (usada como meio técnico de comunicação). Apaguei de novo pois percebi que não havia coerência no meu pensamento, como agora também tento, sem conseguir, por isso, apagar o escrito. Aliás, penso demasiadamente na formalidade do texto que estou escrevendo. Mas tentar a forma na esfera do graphos nada mais é que replicar uma forma – sempre a forma do texto é definitiva, posto ser texto a imagem da linguagem-pensamento em ação. Agora parei antes de começar a escrever, impedindo a transmissão do erro de pensamento que acaba de novamente me apanhar – erro que é a própria tentativa de definir o erro (o erro como erro, digamos). Acho que os psicanalistas entenderam isso como ato falho, se bem que agregando a ele a interpretação (que é a deles, psicanalistas – estes sim, o outro do pensamento). O erro como ato falho não pode significar nada mais do que essa tentativa obstinada dos homens (esses bichos) de colmatar a diferença temporal entre o pensamento (linguagem-pensamento) e o texto. Apaguei novamente e já não consigo nem ao menos vislumbrar o que pensava há pouco. Tentei ver agora até a formatação exata (justificada) do texto como um meio que o pensamento utiliza para tentar formatar a si mesmo. Não vou conseguir formatar o texto e agora me desprendo da tentativa de correr atrás do pensamento com a linguagem (que é a diferença de tempo incolmatável da língua humana).
Volto após uns instantes. Dou-me conta de que esqueci a origem da linguagem. O melos, a música, musicalidade, melodia. O modo como a phoné efetivamente se articulou, antes de se tornar a articulação angular da linguagem comunicativa (prosa, por assim dizer – denotação, num certo sentido), é a melodia. Esta, no entanto, é ela também uma definição da linguagem, no sentido em que a própria noção da percepção (o sentir) não é senão a mediação da linguagem em relação à natureza (o dado sensorial) e a voz articulada como expressão de um significado pelo significante (este pautado num dado material que é a voz – produção vocálica). Voz e voz, em sentido agambeniano. Mas como não fundamentar a linguagem nessa Voz? Qual a possibilidade de uma linguagem infundamentada que se saiba infundamentada e que não se creia fundamentada? Aliás, essa diferença causada pelo crer pressupõe justamente a diferença, e damos mais uma volta atrás no fundamento (que não é outro, mas o mesmo ponto silencioso e multivocal que é o silêncio da linguagem – ser obtuso e aberto, ambivalente). Insucesso e o que parecia residir no melos volta para a linguagem. E pensava agora... e vi que não chegaria a saltar o pressuposto recém-inventado na materialidade da voz (dizer material é o ser material do dizer). Talvez a palavra material – a expressão máxima da ambivalência: palavra material – seja o único palíndromo possível à linguagem.

Imagem: Étienne-Jules Marey. Cronofotografia de um homem em terno preto. 1883. 

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