quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Pequeno delírio em parágrafo IV


"A comunidade não é o simples colocar em comum, nos limites que ela se traçaria, uma vontade partilhada de ser em muitos, seja para nada fazer, isto é, fazer nada mais do que manter a partilha de 'algo' que precisamente parece ser já sempre subtraído à possibilidade de ser considerado como uma parte para uma partilha: palavra, silêncio." Maurice Blanchot

Corneando as plásticas noites de domingo, o touro aquático - que, outrora, poderia ter sido o enviado de Poseidon a Minos - desfaz-se do rebanho para saborear o ardor da conquista. No mesmo outrora, assola uma ilha e, talvez, é a peça chave dos embustes de um sequestro. Porém, nas noites em que o presencio, desfere seus golpes em silêncio. É um chiste, a própria imagem dos homens solitários que golpeiam seus corpos, numa espécie de ritual masoquista infinito, em busca da parte que lhes falta. Tolos homens, tolo touro, não sabem que a parte sempre lhes falta, não importa quão hábeis sejam na arte dos golpes. Em seus quase loquazes movimentos, os cornos do touro fazem faísca ao raspar o chão e resplancescem o céu da noite dominical, tal qual seus reflexos, os perdidos e silenciosos homens, faziam ao sair das cavernas atemporais ao frio e descoberto céu das eras glaciais. Sombras e luzes são os espasmos dos corpos em silêncio; metáforas vazias (e qual não o é?) do périplo dos homens na busca por seu "algo". O touro e o silêncio tentam rebater firmes meus delírios - e qual a tolice de se contar os delírios? São sempre incontáveis. Há somente um espectro: o in-comunicável - que, aqui, em meio ao vazio dissimulado da moça que uma vez fora raptada, faz-se ainda audível. A partilha é desde sempre interdita e a palavra, ou o silêncio, soltam-se em riso incontrolável diante da patética e, por isso, deliciosa existência... 

Imagem: Rembrandt. O rapto de Europa (detalhe). 1632. J. Paul Getty Museum, Los Angeles.     

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