quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Como ri...



Não pude aceitar que haviam lembranças "boas" e "más", felizes ou infelizes. Para mim, as lembranças não têm nada a ver com a felicidade. A carga afetiva se esgota na distância, a distância que existe entre o fato e a lembrança, entre a realidade e o pensamento, esse lapso estranho, irredutível, que permanece para sempre uma eternidade limitada, o fato numa ponta e a lembrança na outra. Não vale a pena perguntar-se pelo que houve no intervalo, porque não há intervalo. Tudo é fato e lembrança, num contínuo variado. O intervalo é uma ficção, uma construção mental. E, ainda assim, a distância existe, porque é o tempo. Mas o que quero dizer é que tudo é distância. Elástica, pequena como um átomo, grande como o céu. Entre a piada e a risada (porque é preciso entender uma piada), entre o que passou e o relato. Há situações que se vivem como um relato, às vezes me acontece, por deformação profissional, mas nunca entendo a situação na qual estou, por algum motivo que não consigo explicar a mim mesmo, e vivo-as como piadas cuja "graça" me escapa e devo inventar laboriosamente ao longo dos anos. Piadas das quais ninguém jamais poderia rir.

César Aira. Cómo me reí. Buenos Aires: Beatriz Viterbo, 2005. pp. 36-37. Trad.: Vinícius N. Honesko.

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