Era fato: fixávamos demasiada atenção nas letras e não compreendíamos as palavras; fixávamos nas palavras e não compreendíamos as frases; fixávamos nas frases e não compreendíamos o parágrafo; fixávamos no parágrafo e perdíamos o texto. Era então essa a hora de inventar nossa história. Eu agora pensava em Haokah, o deus do Trovão dos Sioux, sobre o qual Borges diz tratar-se de um ser que chorava quando estava contente, que ria quando triste, que sentia o frio como calor e o calor como frio. Todo o jogo contraditório das palavras que diziam o seu oposto ou das sensações impossíveis de serem captadas pelas palavras, da abertura poética do denotativo ao conotativo, dos vagos destemperos da desatenção atenta às minúcias do texto, agora desfazia-se como uma trama rasgada e lançada ao vento que talvez o próprio Haokah poderia apreender como baquetas para seus tambores. Faltou-nos algo. Talvez olhos compreensíveis e sensíveis não à luz, mas à ausência dela; talvez bons ouvidos que pudessem compor o momento singular da leitura; mas, talvez, a leitura não fosse leitura, mas uma conversa na qual deveríamos permanecer e tentar perceber, com a atenção necessária, algo como o escutar um ao outro no silêncio, o dizer o sim com o não, o rir na tristeza, o chorar na alegria, o sentir o calor como frio e o frio como calor.
Imagem: Henry Darger.
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