domingo, 23 de outubro de 2011

Na hora de dormir


Desconfio de quando digo muito; desconfio de quando digo pouco; desconfio de quando digo. Às voltas com um fantasma de mim mesmo, penso sobre o tempo perdido, sobre o tempo que se quer perder, sobre essas perdas de tempo que, quando desejadas, são ganhos. A vida e o tempo; o tempo e a vida; eu e ela; ela e eu. E era assim, uma troca de sorrisos. Porém, enquanto eu lhe sorria em português, ela me sorria em italiano; enquanto falávamos juntos, sabiás deixavam seus rastros na poeira das janelas; enquanto pensava em pausar definitivamente, ela só conseguia usar ponto e vírgula (ou seria o contrário?). Não confiar no que digo é talvez um sintoma das palavras que ousávamos falar demais. Talvez tenham sido as metáforas, talvez sejam as metáforas, talvez sejam elas em demasia. E pensava naquela personagem que dizia desconfiar das metáforas, mesmo que seja quase impossível não usá-las. Quando as escutava, pensava que me escondiam algo; quando as usava, pensava que estava escondendo algo de mim mesmo. Acho que é tudo fruto do "como", da comparação irritante e irremediável, dos enganos do uso de algo no lugar de outro, assim como o pensamento sobre o tempo passado como tempo perdido. E voltava a pensar nas trocas de sorrisos (quem tinha sido o intermediário?), e nos intercâmbios de tempos: o meu como seu? o seu como meu? E já começava a ser reticente... e não gosto das reticências, e não gosto de ser reticente, e não gosto de falar quando não deveria, nem de dever falar quando falar é um obscuro meio de metaforizar. Engano, ledo engano, achar que posso esconder de mim mesmo os algos que ficam balbuciando sob as metáforas...

Imagem: Miguel Bakun. Detalhe de "Porta dos sonhos". Coleção Particular. Sem data.

Nenhum comentário: