domingo, 10 de julho de 2011

Antropogênese


Tentemos enunciar em forma de teses os resultados provisórios da nossa leitura da máquina antropológica da filosofia ocidental:
1) A antropogênese é o que resulta da cesura e da articulação entre o humano e o animal. Essa cesura se dá, primeiramente, no interior do homem.
2) A ontologia, ou filosofia primeira, não é uma inócua disciplina acadêmica, mas a operação em todos os sentidos fundamental na qual ocorre a antropogênese, o tornar-se humano do vivente. A metafísica é tomada desde o início nessa estratégia: ela diz respeito exatamente àquela metá que cumpre e garante a superação da physis animal na direção da história humana. Essa superação não é um evento que se cumpriu de uma vez por todas, mas um acontecimento sempre em andamento, que decide a todo instante e em todo indivíduo o humano e o animal, a natureza e a história, a vida e a morte.
3) O ser, o mundo, o aberto não são, no entanto, outra coisa em relação ao ambiente e à vida animal: eles são apenas a interrupção e a captura da relação do vivente com o seu desinibidor. O aberto é tão somente uma apreensão do não-aberto animal. O homem suspende a sua animalidade e, desse modo, abre uma zona "livre e vazia", na qual a vida é capturada e ab-andonada numa zona de exceção.
4) Exatamente porque o mundo abriu-se ao homem somente por meio da suspensão e captura da vida animal é que o ser é desde sempre atravessado pelo nada, a Lichtung é desde sempre Nichtung.
5) O conflito político decisivo, que governa qualquer outro conflito, é, na nossa cultura, aquele entre a animalidade e a humanidade do homem. Isto é, a política ocidental é cooriginariamente biopolítica.
6) Se a máquina antropológica era o motor do tornar-se histórico do homem, então o fim da filosofia e o cumprimento das destinações epocais do ser significam que a máquina gira hoje no vazio.
Neste ponto, dois cenários são possíveis na perspectiva de Heidegger: a) o homem pós-histórico já não mantém a própria animalidade enquanto não passível de abertura [indischiudibile], mas procura governá-la e dela se encarregar por meio da técnica; b) o homem, o pastor do ser, apropria-se da sua própria latência, da sua própria animalidade, a qual não permanece escondida nem é tomada como objeto de domínio, mas é pensada como tal, como puro abandono.

Giorgio Agamben. L'Aperto. L'uomo e l'animale. Torino: Bollati Boringhieri, 2002. pp. 81-82 (Cap. 17 - Antropogenesi). Tradução: Vinícius Nicastro Honesko.

Imagem: Hieronymus Bosch. Julgamento Final (painel central do tríptico). 1504-1508. Akademie der bildenden Künste, Vienna.

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