quinta-feira, 14 de julho de 2011

Do diário de um doutorando desolado


A forma da “tese”, ou a “tese” como forma, configuração e exposição histórica de um estilo canônico nos espaços universitários modernos, não deixa de estar atrelada às características de um tipo de racionalidade ainda ancorada nos conceitos de sistema, cumulatividade, na trindade instituição-autor-autoridade (que hoje perpassa os temas da propriedade autoral ou copyrights), e, principalmente, na pretensa garantia da transmissibilidade da tradição. Ainda estamos diante do ideal da velha comunidade humanística, da troca de cartas entre pares, o terreno de cultivo da cultura e sua perfectibilidade infinita.

Diante da erosão quase definitiva das condições de manutenção desta racionalidade, que já foi devidamente prenunciada pela geração do entre guerras e do pós segunda guerra mundial, e lado a lado com as críticas aos pressupostos a ela subjacentes, é possível perceber a sobrevivência do protocolo acadêmico – aqui no sentido mais lato do termo “protocolo”, envolvendo o dispositivo acadêmico e os rituais de passagem e formas a ele atrelados - como mera liturgia funcionalizada: os “títulos”, as “produções”, as insígnias acadêmicas agora representando os marcos distintivos para a atuação de indivíduos na esfera corporativa de mercado ou na hipertrofiada burocracia estatal. A forma é mantida em seu esvaziamento, em sua presença opaca como estrita fórmula.

Mas aqui não cabe endossar a “crítica sistêmica” a esta liturgia, perceptível, por exemplo, nos agentes operadores das novas tecnologias digitais ou nos espaços da especulação financeira, onde são comuns as afirmações de que a universidade se apresenta como obsoleta para acompanhar a “velocidade da técnica”, etc. Não é porque o conceito de sistema já não seja defensável que as “grandes questões” não deixem de exigir problematizações abrangentes. O esforço do conceito, aqui, se torna muito mais exigente, urgente e, mais do que nunca, perigoso.

Mais do que destruir a forma “tese”, seria preciso recuperar a audácia do pensar novo que esta porta em seu nome. Aceitando que pensar também seja mover, destruir, perfurar, em suma, in-utilizar.

Imagem. Caveira com o cigarro aceso. Van Gogh.


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