sexta-feira, 1 de julho de 2011

Ladies and gentlemen



Apresentação da mostra de Andy Warhol em outubro de 1975, em Ferrara, feita por Pier Paolo Pasolini.

Falando com Man Ray a respeito de meu filme, Os 120 dias de Sodoma, chegamos a um ponto que meu interlocutor não compreendeu. Man Ray é lúcido, inteligente, presente. Seus modos são frescos como há quarenta anos. Não há nenhuma razão no mundo pela qual ele não possa compreender algo.
Todavia, mais do que falta de compreensão, havia nele um buraco, um vazio. Do que se tratava? Eu lhe dissera que havia ambientado o romance de Sade em 1945, em Salò. Era isso que ele não compreendia. Não compreendia porque lhe fugia o fato de que 1945 fosse um ano particularmente significativo (o fim de uma guerra: e daí? Em 1918 também não havia terminado uma outra?) e, sobretudo, escapava-lhe o fato de que Salò tivesse sido a capital de uma pequena república fascista. Além disso, tomava Salò por "salaud" (bastardo), diga-se, para minha completa satisfação.
Andy Warhol teria me compreendido melhor? Não sei se também Warhol, como Man Ray, cultua Sade. Seus travestis têm uma comovente coragem que não é exatamente sadeana. Mas 1945 é significativo para Warhol, e a palavra Salò lhe diz algo?
É uma pergunta um pouco superficial, eu sei. Mas faço-a porque nela se coagula uma série, ou melhor, um emaranhado de perguntas. A história, para Warhol, pode ser dividida? Pode existir um momento no qual um seu modo de ser termina e um outro tem início? Pode haver uma divisão histórica no universo em que vivemos e, portanto, no pequeno universo concentrado e precioso em que trabalhamos? Pode-se traçar uma linha divisória entre os homens? E, em particular, em suas consciências? E, mais em particular ainda, no terreno ideológico das suas consciências? Há algo que possa quebrar o "todo" que a mente profanadora do artista - por puro jogo - coloca em discussão - simula ou adora, venera ou torna vã? O fascismo pode quebrar algo nesse "todo"? Ou, ao contrário, uma revolução marxista pode, primeiramente, separá-lo por meio da oposição fatal e total que é a luta de classes, e, em seguida, transformá-lo até fazer com que desapareça?
Uma mensagem que da Europa chegue na América implica todas essas divisões, esses desdobramentos, essas oposições da realidade: e é misteriosa por isso. Ao contrário, uma mensagem que da América chegue à Europa implica unidade, homogeneidade, compactividade: provém de uma entropia. E é, por isso, ainda mais misteriosa.
Tenho diante dos olhos as serigrafias e algumas pinturas de Warhol. A impressão é de estar diante de um afresco de Ravenna representando figuras isocéfalas, todas elas, entenda-se, frontais. Iteradas ao ponto de perder a própria identidade e de serem reconhecíveis, como os gêmeos, pelas cores de suas roupas.
A abside da catedral que Warhol constrói e em seguida lança aos ventos dispersando-a nos tantos retalhos das figuras isocéfalas e iteradas é, com efeito, bizantina.
O arquétipo das várias figuras é sempre o mesmo: perfeitamente ontológico.
É a qualidade de vida americana que pareceria ser a equivalente da sacralidade autoritária da pintura oficial cristã das origens: isto é, fornecer o modelo metafísico de toda possível figura vivente. Para tal modelo não existem alternativas, mas apenas variantes. O homem americano é único, não obstante o pluralismo efetivo e reconhecido. É, de fato, mais forte o Modelo do que as infinitas pessoas reais que podem passar pela 42ª Avenida às sete da tarde no verão. Então, se o ambiente "tomado" se restringe ao "Golden Grape", este nada pode opor ao Modelo, senão variantes reduzidas ao mínimo: uma interação obsessiva, a Obsessão. O nome e o sobrenome dos travestis não bastam, seus registros são irrelevantes; eles são absorvidos na unicidade da Pessoa que os prefigura, acampando junto das outras Pessoas arquetípicas no céu da Entropia americana. Estamos diante do Travesti e da estreita lista de suas, ainda que sejam inumeráveis, variantes. Quando soubermos que um dos Travestis "particulares" chama-se Candy Darling e que morreu de câncer dando, no dia anterior à sua morte, uma festa em honra às "amigas" - festa caracterizada por uma gigantesca quantidade de rosas brancas -, teremos consciência de um dado que nada altera na Pessoa apriorística e única da serigrafia.
Em que consistem as variantes? Em duas ordens ou estratos técnicos: a) a fotografia dos sujeitos (ampliação, estampa serigráfica); b) a coloração da ampliação. Como se vê, trata-se de duas "aplicações" colocadas uma sobre a outra. Sobre a superfície branca primeiramente é feita a explosão da realidade (física, psicológica, sociológica): e, em seguida, sobre suas últimas e desgastadas peças, é colado o affiche fúnebre que o fixa no seu átimo inextinguível de pura vitalidade. A segunda operação é, com efeito, a mais pictórica: as tintas acrílicas - puras, em absoluto não texturizadas - são dispostas, sobre a superfície que contém a fotografia dilatada, num padrão aparentemente causal. Porém, não se trata de "manchas", mas de "retalhos" colados. A estampa funde tudo numa única superfície. A escolha das formas do "retalho colado" e de suas cores é confiada a uma espécie de inspiração calculada e quase automática. As formas do retalho colado jogam com as formas realísticas da fotografia - desdobrando-a, desequilibrando-a, exaltando-a - em sobreposição sempre defasada em relação à anatomia, mas sempre subordinadas à anatomia (privilegiando os olhos, as bocas, os cabelos e os fundos). A referência cultural mais direta de tal técnica são os cartazes publicitários e os affiches formais, mais do que os detalhes da pintura fauve.
Quanto à primeira ordem ou estrato técnico - o da fotografia - é preciso observar que a fotografia parece sempre e de modo obsessivo a mesma; sempre frontal ou em diagonal, nunca de perfil; sempre em "pose", nunca verdadeira; sempre à maneira das "Estrelas" cinematográficas, nunca ao modo do corriqueiro quotidiano. Isso "queima" a psicologia: mas relativamente.
De fato, os lineamentos ou conotações falam por si só uma linguagem psicológica, mesmo com, e não obstante, o esforço de auto-anular-se (ainda antes de ser fotografia ou pintura) em um cliché humano. O esforço que fazem esses Travestis para mostrar-se triunfantes não é de uma irreal e comovente humanidade? Mas além desse esforço eles não vão. Compreende-se: o "Diferente", em seu gueto permissivo de Nova York, pode triunfar conquanto não saia de um comportamento que o torne reconhecível e tolerável. A arrogância feminina desses machos é apenas a careta da vítima que quer comover o carrasco com uma risível dignidade real. E é tal careta que torna todos esses Travestis psicologicamente iguais, como dignatários bizantinos em uma abside estrelada.
Desse modo, também o universo de Warhol é de algum modo duplo e vive em drama opositivo. Mas a se oporem estão duas ontologias: a ontologia formal e a ontologia psicológica. A uma série de manchas (retalhos coloridos) cuja estrutura é decidida de modo apriorístico mesmo quando é parcialmente deixada à sorte, opõe-se uma série de retratos fotográficos cujo significado é também apriorístico e predeterminado.
A mensagem de Warhol para um intelectual europeu é uma unidade esclerótica do universo, na qual a única liberdade é a do artista que, substancialmente desprezando tal universo, com ele joga.
A representação do mundo exclui toda possível dialética. É, ao mesmo tempo, violentamente agressiva e desesperadamente impotente. Há, portanto, em sua perversão de "jogo" cruel, astuto e insolente, uma substancial e incrível inocência.

Pier Paolo Pasolini. Ladies and Gentlemen. In.: Saggi sulla Letteratura e sull'Arte II. Milano: Arnoldo Mondadori, 1999. A cura di Walter Siti e Silvia De Laude. pp. 2710-2714. (Tradução de Vinícius Nicastro Honesko)

Imagem: Andy Warhol. Ladies and Gentlemen. 1975.

Nenhum comentário: