domingo, 22 de maio de 2011

Pequena nota sobre a luz


Fiat lux! E eis que a cosmogonia judaico-cristã inaugura seu lugar ao sol. À luz estão os corpos expostos, postos e aí os vemos. Mas também escutamos; escutamos o som triste e amargo dos corpos expostos (depostos na existência inaugurada): rangidos de fluidos, movimentos orgânicos, tudo ao ouvido. É necessário timpanizar a filosofia, dizia Derrida. A-luz-cinado timpanizo a luz. O ritmo, que emprega sua força à alucinação - talvez pela ideia dos trezentos milhões de metros por segundo -, está também na música. Crio, timpanizando, uma etimologia vulgar pensando na lux da boca do deus judeu: luxúria. O pecado da noite invade a luz dançando com seus gestos obscenos (gestos que estariam desde sempre fora da cena, fora da luz, portanto). Mas penso e vejo que a obscenidade está na luz. Delírio? Pode ser, mas como lembram os irmãos Campos, tanto Haroldo como Augusto, no delírio há lírio. Enfim, todo o jogo é áureo, reluzente, augusto... e os campos de lírio só mostram sua beleza à luz. Um certo messias uma vez disse, delirando: "Olhai os lírios do campo, como crescem, e não trabalham e nem fiam". Ele que, diz-se, fazia com que cegos voltassem a ver, que dava, portanto, luz a olhos opacos, deixava-se guiar pelas imagens dos lírios e, com lirismos, contava suas imagens parabólicas - líricas imagens... A noite aparece, desaparecem as luzes e delírios e alucinações ganham seu lugar. Luxuriosamente os espectros, plenos de luz, dão-se a ver na escuridão; são como luzes de velas que iluminam o estúdio do pintor, que dão à tela a dimensão do visível, das cores. Os espectros, os fantasmas; os seres noturnos que são luz. É na noite que a faculdade fantasmática - a fantasia, a imaginação, que são nomes vários para a mesma coisa: criar imagens - liberta-se das sombras do dia, dos mandamentos da consciência e as imagens dançam impunemente no palco do teatro cujos espectadores já se foram. Ah, luz... escuto seu movimento de milhões de metros por segundo, sinto seu perfume de lírios e sua força a queimar minha pele... mas nunca te vejo...

Imagem: Mestre das luzes de velas. São Sebastião curado por Irene e pelas mulheres piedosas. Século XVII. Collezioni Comunale d'Arte di Bologna.

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