segunda-feira, 11 de abril de 2011

Desejo de poder


Ao estado civil e ao estado de natureza, à segurança e ao medo, correspondem também as duas tensões contrastantes que animam a antropologia hobbesiana: a tendência do homem à auto-conservação, raiz da segurança, e um também inato "desejo de poder sobre o poder, perpétuo e sem trégua, que cessa somente com a morte [perpetual and restless desire of power after power, that ceases only in death]" (Cap. XI. p. 58). Ora, Hobbes não concebe a sua relação basilar como uma simples relação entre dois elementos opostos. Pouco depois, no capítulo XIII, escreve: "[...] existem alguns que tendo prazer na contemplação do próprio poder nos atos de conquista, perseguem-nos indo muito além do que requer a segurança [farther than security requires]".
Essa orgulhosa auto-contemplação acontece não a posteriori, mas no próprio ato da conquista; é a fórmula interna capaz de elevar potencialmente o desejo de poder, que terminará somente com a morte. Essencial, no entanto, é que, como incansável reflexão, a violência chegue "farther than security", que pontualmente ultrapasse toda proteção latente. O incessante desejo de poder é uma contínua superação da segurança e a condição de segurança - podemos inferir - somente uma momentânea parada no esforço de conquista.
Hobbes não opõe portanto nada: ele, ao contrário, polariza a própria força. A luta pelo poder, o apetite natural do homem como tal, é um excesso, um mais que a segurança, e a condição de segurança é um grau a menos da sucessiva ação violenta. É somente na sua mais arriscada superação, portanto, que um ato de violência aparece como uma segurança recém atingida, enquanto somente a partir dessa última a violência revela-se então excessiva e mais perigosa: no jogo da reflexão, uma depende da outra. Por isso somente a morte, como tentativa de superação última, necessária e fatal, coloca fim na luta pelo poder; essa acontece no ponto em que um ato de conquista violenta não pode mais ser ultrapassado para inverter-se por sua vez em segurança, ou seja, no ponto em que a segurança e a sua superação se mostram totalmente idênticas, em que, no fundo, aparece aquilo que devia assim aparecer: que só há segurança na sua violação, que há uma segurança que não admite excessos (que não havia, portanto, uma segurança tout court), que as duas tendências eram, desde o início, apenas uma.
Todo esforço de conquista procura, desse modo, sua orgulhosa auto-reflexão, a apreensão da violência mesma, sua conservação como estado civil ou segurança, e, pelo mesmo motivo, também sua contínua superação exatamente em nome do estado. Não somente a aquisição, mas a conservação da segurança é um progressivo ato de violência, o qual terminará somente no último, verdadeiro, espelhar-se com a morte. O próprio lugar comum da segurança como capacidade de opor uma força adequada e desencorajar uma eventual ameaça inimiga, melhor dizendo, a teoria da dissuasão em todas as suas formas, é um produto da máquina hobbesiana, do seu movimento interno, no qual luta e proteção se alimentam reciprocamente.
O exercício da soberania consistirá, portanto, na capacidade de oscilar entre os dois polos, no jogar ao mesmo tempo auto-conservação e arriscada conquista, medo e segurança, no projetar uma como aparência mitológica da outra.
Desse exercício, Hobbes foi o primeiro mestre; ele negou a liberdade fora do estado civil para afirmar que "medo e liberdade são coerentes [Fear and Liberty are consistent]"; e organizou a sua própria construção, estranha e ao mesmo tempo racionalmente sofisticada, por meio de uma série de conceitos polares: estado de natureza e condição civil, segurança e medo, mas, sobretudo, populus e multitudo (De cive, VI, 1; XII, 8). Populus, o polo positivo, é a união dos indivíduos como sujeito político, o conjunto de cidadãos enquanto participantes, no estado civil e seguro, do poder soberano. No oposto negativo está a massa desordenada e violenta, multitudo dissolutionis ou multitudo dissoluta. Ainda não reunida numa única pessoa política, a multidão vive, diz Hobbes, no estado de natureza. Em outras palavras, a condição natural do homem - ou seja, anotaria Strauss, a condição de ser humano como tal - é a de membro de uma multitudo dissoluta. Se de Gabriel Tarde e Scipio Sighele até o fim do séc. XIX a nova ciência sociológica apareceu como teoria da massa perigosa, da "multidão delinquente" como encarnação da violência, é por que a pura e simples condição de multidão coincide já em Hobbes com o feroz estado de natureza. O mote de sua antropologia política, homo homini lupus, é apenas a fórmula da multidão expressa do ponto de vista do poder soberano.
A condição da sociedade civil é assim a nova condição de uma massa desordenada que, ameaçada por si mesma, apreende, inclui e transforma a si mesma em um povo. O estado civil é um estado de natureza invertido e a segurança (polo positivo) é um medo do medo (um negativo do negativo). Mas o paradoxo, no qual toda sociologia permanece inscrita, é que apenas por meio dessa ação de apreensão uma massa pode aparecer assim, ou melhor, imediata e negativamente caracterizada como dissoluta. Desse modo, é junto ao grande estado de segurança que o fantasma tão assustador da não-segurança aparece na cena política moderna. Talvez seja essa a verdadeira ambiguidade mitológica e, a mesmo tempo, a razão decisiva da estranha máquina ou assustadora criatura concebida por Hobbes. Um produto original, escreveu Schmitt, do mais sutil humor inglês. Novamente - e Leo Strauss assim sublinhou - Hobbes é um filósofo, não um mitógrafo. Mas a própria filosofia do poder é uma espécie de mitologia e, talvez, seja esse o seu único, profundo e irônico significado.

Andrea Cavalletti. La Città Biopolitica. Mitologie della sicurezza. Milano: Bruno Mondadori, 2005. pp. 57-60. Tradução: Vinícius Nicastro Honesko.

Imagem: detalhe da capa da primeira edição (1651) do Leviatã de Thomas Hobbes.

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