segunda-feira, 4 de abril de 2011

Uma força do Passado



10 de junho de 1962.

Apenas uma ruína, sonho de um arco,
de uma volta romana ou românica,
em um campo onde espuma um sol
cujo calor é calmo como um mar:
aí reduzida, a ruína é sem amor. Uso
e liturgia, agora profundamente extintos,
vivem no seu estilo - e ao sol -
para quem lhe compreenda presente e poesia.
Dê poucos passos e estás na Appia
ou na Tuscolana: aí tudo é vida,
para todos. Ou melhor, é cúmplice
dessa vida quem estilo e história
não conhece. Os seus significados
mudam-se na sórdida paz,
indiferença e violência. Milhares,
milhares de pessoas, arau
de uma modernidade de fogo, ao sol
cujo significado também vigora,
cruzam-se pululando obscuramente
nas calçadas que cegam, contra
a Ina-Case aprofundada no céu.
Eu sou uma força do Passado.
Somente na tradição está o meu amor.
Venho das ruínas, das igrejas,
dos retábulos, dos burgos
abandonados sobre os Apeninos ou Pré-alpes,
onde viveram os irmãos.
Giro pela Tuscolana como um louco,
pela Appia como um cão sem dono.
Ou olho os crepúsculos, as manhãs
em Roma, na Ciociaria, no mundo,
como os primeiros atos da Pós-História,
à qual assisto, com privilégios,
da borda extrema de alguma idade
sepulta. Monstruoso é quem nasceu
das vísceras de uma mulher morta.
E eu, feto adulto, vagueio
mais moderno que todo moderno
procurando irmãos que não existem mais.

Pier Paolo Pasolini. Poesie Mondane. In.: Poesia in forma di rosa. Milano: Garzanti, 2001. pp. 23-24. Ensaio de tradução: Vinícius Nicastro Honesko.

Imagem: série de auto-retratos de Pasolini de 1964-1965. In.: Pier Paolo Pasolini. I Disegni 1941-1975. A cura di Giuseppe Zigaina. Milano: Edizioni di Vanni Scheiwiller, 1978.

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