O esquecimento, esta máquina de moldar mundos, invade a verdade em sua forma de rio e por ele navegamos na insidiosa barca de destruir mundos. Ainda há pouco éramos vocacionados à eternidade, mas a polifonia que nos chamava silencia-se com as correntes do rio: os deuses não estavam à margem. O mundo se constrói e se dissolve ao sabor da barca, o rio corta florestas, desertos e, incólume, desagua em forma de delta no sem-sentido ao qual damos o nome de oceano, desde onde um titã, diz-se, certa vez carregou o mundo nas costas. A máquina de moldar mundos antecipa a morte e, com doçura, desgasta pouco a pouco a couraça de nossa barca. Já nos sabemos perdidos, já nos sabemos derrotados, mas ainda assim navegamos deixando, a cada remada, nossos ínfimos rastros no leito do rio que vela a verdade e, desse modo, somente desse modo, somos em alguma medida inesquecíveis.
Imagem: J.M.W. Turner. Paisagem com rio e baía. 1835-40. Paris, Museu do Louvre.