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Stasis, de Agamben, conclui Homo Sacer.
Andrea Cavalletti
“Hoje há tanto uma
“polemologia”, uma teoria da Guerra, quanto uma “irenologia”, uma teoria da
paz, mas não existe uma “stasiologia”, uma teoria da guerra civil”. A partir desse
diagnóstico, Giorgio Agamben constrói seu novo livro, “Stasis. A guerra civil
como paradigma político, Homo Sacer, II, 2” (Bollati Boringhieri, 2015):
trata-se da reelaboração de dois seminários ocorridos na Princeton University,
em outubro de 2001, que agora são reunidos e compostos como última peça do
mosaico Homo sacer. Na ordenação de
toda a obra, esse novo volume segue “Estado de Exceção” e precede “O Sacramento
da linguagem”, isto é, situa-se no ponto nodal da seção II, dedicada às formas
jurídico-políticas e ao governo, e que se conclui com a “genealogia teológica”
da economia, ou seja, com “O Reino e a Glória” (cuja exata numeração é II, 4 e
não II, 2, como se lê, por conta de um descuido, no frontispício).
É certo que Agamben não
pretendeu colmatar a lacuna ao propor uma teoria stasiológica. Como anuncia no subtítulo, Stasis, antes, analisa a guerra civil como “paradigma” da política
ocidental, isto é – seguindo um rigoroso princípio metodológico – como fenômeno
singular que, com sua exposição, torna inteligível o contexto problemático mais
amplo.
O primeiro seminário é
dedicado à Grécia clássica e baseia-se nos trabalhos de Nicole Loraux, a mais
importante e notória estudiosa contemporânea da stasis. O segundo, dedicado a Hobbes, é uma penetrante e muito
inovadora leitura do Leviatã, desenvolvida como uma “iconologia filosófica”, ou
seja, como interpretação da célebre água-forte do frontispício de 1651. Assim,
de imediato se mostra ao leitor que o confronto com a teoria do estado (e, em
particular, com Carl Schmitt) não será velado nem sem implicações. Apenas o
gesto genuinamente arqueológico pode, com efeito, atingir o teor político mais
relevante.
Vamos pela ordem. De modo
completamente inovador, rachando o duro lugar comum segundo o qual o nascimento
da polis assinalaria uma superação do
oikos, da casa, e dos primeiros
vínculos de parentesco, Loraux mostrou como as guerras civis que agitam
periodicamente a cidade grega provêm, na realidade, da família. Elas revelam,
portanto, a persistência do poder do oikos
no seio da cidade. Mas não apenas isso. A relação entre cidade e família é
em grande medida ambivalente, uma vez que a própria reconciliação que põe fim à
stasis é realizada (como na Sicília,
em Nakone, no século III) por meio de uma nova ligação parental, a dos “irmãos
por sorteio”. Mas por que a família implica necessariamente o conflito? E por
que pode então se representar como forma de pacificação? Agamben relê as fontes
e dissolve a ambiguidade: se é verdade que a stasis se situa entre cidade e família, ela, todavia, não provém do
oikos, mas se produz em um campo de
tensões polares que vão do oikos à polis vice-versa, confundindo o que
pertence a uma e a outra, o íntimo e o estranho. Na guerra civil “a ligação
política se transfere ao interior da casa” enquanto “o vínculo familiar se
aliena em facção”.
Além disso, guerra civil
funciona no mundo grego como “revelador” da política: quem nela não toma parte
acaba, de fato, punido com a infâmia e deixa de ser um cidadão. Isso significa
não apenas que a stasis é
consubstancial à polis (exige uma
pacificação e não deve dar lugar a ressentimentos, e permanece ao mesmo tempo
uma possibilidade aberta), mas que a própria política é “um campo
incessantemente percorrido pelas correntes tensivas da politização e da
despolitização, da família e da cidade”. A interpretação paradigmática do
fenômeno “guerra civil” torna, por fim, inteligível o domínio mais amplo: a política,
assim como o mundo grego a concebeu e nos transmitiu.
O segundo seminário
(Leviatã e Behemoth) põe à prova o paradigma stasiológico na teoria moderna ou securitária do estado, ou seja,
exibindo-o em sua mais severa construção, o Leviatã de Hobbes. Estudando a
famosa água-forte como um compêndio de toda a obra, Agamben descobre na série
de emblemas e, sobretudo, nas imagens enigmáticas do gigante composto de homens
(que é ao mesmo tempo mito e artifício, Leviatã e produto de um dispositivo
óptico) e da cidade deserta sobre a qual ele se levanta, as chaves
interpretativas dos conceitos fundamentais de Hobbes: o “corpo político” e as
duplas populus / mutitudo dissoluta; civitas / status naturalis. A análise
da iconologia religiosa (o monstro do Livro de Jó que dá título ao livro assume
traços até mesmo demoníacos na tradição cristã) induz então a reler todo o
livro a partir da terceira parte: a grande teologia que Hobbes chamava de sua
“política cristã”. E é uma política escatológica, do Reino de Deus na terra.
Se a cidade da água-forte
aparece vazia, argumenta Agamben, é porque o povo é um conceito contraditório e
fantasmático. O povo, que só pode ser representado, desaparece no seu
representante – o qual é, por sua vez, o fruto do engano visual que compõe
muitos seres em um só. Portanto, a multitudo
dissoluta, única presença na cidade, se dá por conta da constituição do
soberano. Mas ela é também o sujeito da guerra civil (Behemoth) que permanece
assim inseparável do Leviatã como uma projeção do estado de natureza, da luta
de todos contra todos, no coração da civitas.
Behemoth e Leviatã convivem e, seja segundo a tradição (na origem
talmúdica), seja segundo a lógica rigorosa (isto é, profética) de Hobbes,
acabarão por matar um ao outro. Somente então, com o desaparecimento do estado
profano, poderá afirmar-se, entre os homens, o Reino de Deus: a ficção da
representação será apagada e a multidão restituída a si mesma.
Estamos, portanto, no
lado oposto da leitura schmittiana, que, como é notório, vê no estado de
segurança o katechōn, a potência que impede o fim do mundo. Ora, se Schmitt
permanece hoje atual é porque desenvolveu, de maneira imprudente, a visão
política ainda dominante, que trai o modelo grego e força o de Hobbes no
sentido da associação, excluindo a tendência à dissociação. Justamente a
manutenção do mitologema associativo (securitário) implica, entretanto, como é
sempre mais evidente, a contínua exposição ao perigo. Um mais sombrio
“revelador” do político toma assim o lugar da stasis: aos membros do povo Schmitt requer “o ser disposto à morte”.
Esse livro desvela uma
outra perspectiva, messiânica e fiel ao paradigma stasiológico. Ela rompe o encanto mortífero reconhecendo na
soberania uma ficção que será destruída. E não diz respeito a Schmitt, mas a
Benjamin: o estado não é uma categoria do Reino, mas (sendo internamente
disposto à dissolução) “de seu mais silencioso aproximar-se”.
Texto publicado no dia 01/03/2015 no suplemento de "Alias" (pp. 3-4), do jornal "Il manifesto". Tradução: Vinícius N. Honesko.
Imagem: Capa (água-forte) da edição de 1651 do "Leviatã", de Thomas Hobbes.