quarta-feira, 29 de julho de 2009


o embarque, no cais, e desde então
o mar é uma extensa e incessante
saudade salgada



Imagem: Mark Power. FRANCE. Port-en-Bessin-Huppain, 1995. Magnun Photos.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Dois pensamentos de Monsieur Teste

Deve-se entrar em si mesmo armado até os dentes.
Liberdade - Generalidade. Tudo o que faço ou penso não é mais do que Espécime de meu possível. O homem é mais geral que sua vida e seus atos. Ele é como que previsto para mais eventualidades do que pode conhecer. Monsieur Teste diz: Meu impossível nunca me abandona.

Paul Valéry. Monsieur Teste. Trad. Cristina Muraschco. São Paulo: Ática, 1997. pp. 117 e 126.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Assistentes

A desrealidade e ausência de mundo (que sempre diz respeito à existência de um mundo comum entre as pessoas e não apenas no sentido real, de res, ou coisal do termo) na quase totalidade dos espaços urbanos das grandes metrópoles mundiais têm seu paroxismo nos dispositivos de entretenimento e de gestão do “tempo vago” nulificado (shopping centers, salas de espetáculo, estádios de futebol e eventos massivos correlatos). Em meio à deriva automática de inúmeros zumbis absorvidos pelo consumo fácil e pelo gozo parcial sempre protraído do fetiche, os únicos indivíduos ainda em vigília são aqueles que, nestes mesmos espaços, atuam não como consumidores mas trabalhadores triplo K (termo de umas das cidade mais fantasmagóricas do mundo, Tóquio, para designar o labor kitsui, kitanai, kike, penoso, sujo e perigoso ), tendo que, não raro, manejar resíduos orgânicos como fezes, urina e vômitos, restos de comida, descarregar e carregar os mais variados objetos e ainda atender com presteza as expectativas de quem quer “se divertir”. O labor por si, vale lembrar Hannah Arendt, dá-se no isolamento e é despido de mundo. Tal condição de alienação mundana se agravaria, em tese, nestes casos. O intrigante se evidencia no fato de que tais pessoas, em sua obscuridade, são coagidas a manter uma distância abissal mas fisicamente próxima do próprio dispositivo. São alienados de mundo (como todos somos nos dias que correm) mas não compartilham da prótese específica (como no shopping), podendo analisá-la em toda sua crueza e esterilidade. Diferentemente do excluído que contempla o circo externamente e pode até pretender ser incluído (mesmo que tenha de enfrentar mecanismos de segurança e separação), tais ajudantes têm, em potência, a chave para expor a grande ficção que comanda a maquinaria e demonstrar a impossibilidade de qualquer tipo de paraíso no inferno catastroficamente asséptico do capital.
foto-performance Liu Bolin

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Gestos e infância

“Nunca podemos recuperar totalmente o que foi esquecido. E talvez seja bom assim. O choque do resgate do passado seria tão destrutivo que, no exato momento, forçosamente deixaríamos de compreender nossa saudade.”[1] Assim começa Walter Benjamin o texto O jogo das letras, que aparece no seu Infância em Berlim por volta de 1900. O momento do qual Benjamin sente saudades – e diz, é o que lhe causa mais saudades – é aquele de sua alfabetização, de quando brincava com os então muito comuns jogos de letras. Aprender a compor palavras, operação factual dos jogos de letras, é para a criança um momento imaginativo por excelência. Isto é, o jogo das letras se dá como uma espécie de tábua de montagem: uma série de plaquetinhas, na qual vem individualmente gravadas cada uma das letras do alfabeto, é disposta de modo que a criança possa, montando-as em sequências, aprender a ler. O gesto infantil diante das letras (todo o alfabeto que compõe o jogo de letras e que em si, tal qual apresentado à criança, não tem sentido) é o de organizá-las dando-lhes um sentido, isto é, formando palavras. É justamente disso que Benjamin tem saudade: o gesto de apreender a ler. Na saudade despertada pelo jogo das letras Benjamin pretende reencontrar sua infância na integralidade. Porém, isso nunca se dará: “... posso sonhar como no passado aprendi a andar. Mas isso de nada adianta. Hoje sei andar; porém, nunca mais poderei tornar a aprendê-lo.”[2]
A repetição, o retorno daquela imagem da criança aprendiz – o seu retorno em sonho – não é alcançável na sua total integridade por Benjamin. A experiência do aprendizado, ainda que irrepetível na sua configuração imagético-memorial (como artefato – imago – imobilizado por uma intencionalidade rememorativa) deixa um rastro que, efetivamente, não compete à memória voluntária, mas permanece como um gesto. O aprendizado, a iniciação da criança no mundo da escritura – com jogos de letras, cartas etc. – não é, nesse sentido, propriamente uma operação intelectual, mas um gesto.
Numa outra passagem, em Imagens do Pensamento, Benjamin conta um sonho. Encontrava-se ele diante de Notre-Dame. Porém, não havia nada de Notre-Dame ali à sua frente, senão uma grande construção de tijolos. “Mas eu permanecia lá, subjugado, justamente defronte de Notre-Dame. E o que me subjugava era a saudade. Saudade justamente de Paris na qual eu me encontrava aqui no sonho.”[3] Benjamin fala aqui de uma saudade que não impele à distância, à rememoração da imagem que faz falta. “Era a saudade ditosa que já atravessou o limiar da imagem e da posse e só conhece ainda a força do nome, do qual a coisa amada vive, se transforma, envelhece, rejuvenesce e, sem imagem, é o refúgio de todas as imagens.”[4] A saudade de algo que irremediavelmente não volta como tal é o ponto de passagem da imobilização (que não passa de um sonho) à mobilidade da imagem; é a transposição da imagem à pátria do gesto.[5]
Assim, podemos reler o gesto, tal qual sugere Agamben (que, a partir de Varrão, procura dar uma compreensão do gesto como um terceiro gênero de ação, ao lado do fazer e do agir (práxis)), como pura medialidade cuja destinação é a abertura de uma morada habitual (um éthos) para o homem:

O que caracteriza o gesto é que, nele, não se produz, nem se age, mas se assume e suporta. Isto é, o gesto abre a esfera do ethos como esfera mais própria do homem. (...) se o fazer é um meio em vista de um fim e a práxis é um fim sem meios, o gesto rompe a falsa alternativa entre fins e meios que paralisa a moral e apresenta meios que, como tais, se subtraem ao âmbito da medialidade, sem por isso tornarem-se fins. (...)O gesto é a exibição de uma medialidade, o tornar visível um meio como tal. Este faz aparecer o ser-num-meio do homem e, deste modo, abre para ele a dimensão ética.[6]

A ingenuidade infantil diante do jogo de letras, que à criança se apresenta como um arquivo legado em herança, seu gesto de montar palavras, traz em si um efeito crítico e político: expõe, sem palavras, a palavra humana. Não se trata da compreensão causal do aprendizado infantil (o jogo de letras como meio para a alfabetização – um fazer –, ou ainda como atividade lúdica – uma práxis), mas de tentar ver na montagem das palavras a abertura de uma sempre nova possibilidade.
Essa correspondência encontrada pela criança entre as letras na formação das palavras, a ligação entre as letras (que, é preciso lembrar, é sempre nebulosa para o infante), esconde, mais do que uma simples atividade de pensamento, uma atividade imaginativa. Ao discorrer sobre quatro fotografias feitas clandestinamente por internos de Auschwitz em agosto de 1944, em Images Malgré Tout, Georges Didi-Huberman, para rebater críticas a ele feitas por Gérard Wajcman, lança mão de uma compreensão da imaginação (cuja origem remonta a Baudelaire e que, poderíamos complementar, é fruto do averroísmo) para justamente defender a possibilidade de leitura daquelas fotos (possibilidade atacada por Wajcman).

O valor do conhecimento não teria sido intrínseco a uma só imagem, não mais que a imaginação não consiste em regredir passivamente numa única imagem. Trata-se, ao contrário, de colocar os múltipos em movimento, de nada isolar, de fazer surgir os hiatos e as analogias, as indeterminações e as sobredeterminações na obra.[7]

A montagem das imagens, para a qual Didi-Huberman aqui chama a atenção, é, portanto, um gesto que libera as imagens de sua prisão nos arquivos mnemônicos e lhes dá um sentido histórico. É por meio de uma operação crítica (é tarefa do crítico) que uma construção de sentidos da e para uma leitura da história pode, desse modo, aparecer. Assim, imaginar, tanto para a criança quanto para o crítico, pode ser a porta de acesso ao gesto e à liberação da imagem de sua imobilidade memorial. [8]

A imaginação não é o abandono às miragens de um único reflexo, como frequentemente se crê, mas a construção e montagem de formas plurais colocadas em correspondências: eis porque, longe de ser um privilégio do artista, ou uma pura legitimação subjetivista, ela faz parte integrante do conhecimento no seu movimento mais fecundo, ainda que – já que – mais arriscado.[9]

A arriscada operação perpetrada pela imaginação leva ao extremo o desencanto das imagens. Não é possível falar em retrato imóvel, cujas características, uma vez definidas, seriam a causa do presente a partir do qual tais imagens são observadas (ou rememoradas). As imagens, tocadas pelo gesto crítico (ou infantil), não se cristalizam numa imago (isto é, um interdito passado intocável), mas enchem-se de movimento: são acessíveis apenas no presente. Um jogo de tempos entra em questão, jogo este que articula pendularmente a imagem e sua leitura. Como alerta Didi-Huberman ao analisar os procedimentos de montagem a partir de imagens de arquivos e de “imagens ficcionais” de Godard e de Lanzmann, respectivamente nos filmes Histoire(s) du cinéma e Shoah:

É suficiente não ser ingênuo nem com os arquivos, nem com a montagem que a partir deles se produz: os primeiros de forma alguma dão a verdade “totalmente crua” do passado e somente existem para se construção sobre o conjunto de questões pensadas que nós devemos lhes colocar; a segunda dá precisamente forma a esse conjunto de questões, daí sua importância – estética e epistemológica – crucial.[10]
A idéia de Didi-Huberman é justamente a de que, a partir do gesto crítico (colocar questões sobre as imagens passadas, os arquivos), é possível constatar a montagem da história, sua não totalidade, seu vazio constitutivo; ou seja, não há verdade absoluta na imagem do arquivo (essa é apenas imago, máscara mortuária), tampouco se encontrará verdade alguma pela montagem (que dá uma forma possível ao conjunto de arquivos). Essa dupla operação elíptica, a não-verdade absoluta da imagem e a não-verdade interveniente do crítico, potencializa aquele resquício (que Warburg denominaria Nachleben – sobrevivência) de energia que subjaz como o gesto a ser liberado em toda imagem. Esse desembaraçar da imagem em gesto suspende, portanto, a formação de uma imagem decidida e passa a expor o processo por meio do qual a própria imagem se forma. O gesto expõe a imagem como um processo de processo, isto é, como parte do fluxo do devir histórico; ou ainda, as imagens carregam-se de tempo.

[1] BENJAMIN, Walter. Infância em Berlim por volta de 1900, In: Obras Escolhidas II. Rua de Mão Única. São Paulo: Brasiliense, 1995. Tradução: Rubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos Martins Barbosa. pp. 104-105.
[2] Idem.
[3] BENJAMIN, Walter. Imagens do Pensamento. In.: Obras Escolhidas II. Rua de Mão Única. São Paulo: Brasiliense, 1995. Tradução: Rubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos Martins Barbosa. p. 209.
[4] Idem.
[5] AGAMBEN, Giorgio. Notas sobre o Gesto. In: Artefilosofia. nº4, jan. 2008. Ouro Preto: Tessitura, 2008. Tradução: Vinícius Nicastro Honesko. p.12. ”De fato, toda imagem é animada por uma polaridade antinômica: de um lado, ela é a reificação e a anulação de um gesto (é a imago como máscara de cera do morto ou como símbolo), do outro, ela conserva-lhe intacta a dynamis (como nos instantes de Muybridge ou em qualquer fotografia esportiva). A primeira corresponde à lembrança de que se apodera a memória voluntária, a segunda à imagem que lampeja na epifania da memória involuntária. E, enquanto a primeira vive num mágico isolamento, a segunda envia sempre para além de si mesma, para um todo do qual faz parte. Mesmo a Monalisa, mesmo Las Meninas podem ser vistas não como formas imóveis e eternas, mas como fragmentos de um gesto ou de fotogramas de um filme perdido, somente no qual readquiririam o seu verdadeiro sentido. Pois em toda imagem está sempre em ação uma espécie de ligatio, um poder paralisante que é preciso desencantar, e é como se de toda história da arte se elevasse um mudo chamado para a liberação da imagem no gesto.”
[6] Idem. pp. 12-13.
[7] DIDI-HUBERMAN, Georges. Images Malgré Tout. Paris: Les Éditions de Minuit, 2003. p. 151. “La valeur de connaissance ne saurait être intrinsèque à une seule image, pas plus que l´imagination ne consiste à s´involuer passivement dans une seule image. Il s´agit, au contraire, de mettre le multiple en mouvement, de ne rien isoler, de faire surgir les hiatus et les analogies, les indéterminations et les surdéterminations à l´oeuvre.”
[8] Cf. AGAMBEN, Giorgio. Ninfe. Torino: Bollati Boringhieri, 2007. p. 56. “La storia dell´umanità è sempre storia di fantasmi e di immagini, perché è nell´immaginazione che ha luogo la frattura fra l´individuale e l´impersonale, il molteplice e l´unico, il sensibile e l´intellegibile e, insieme, il compito della sua dialettica ricomposizione.”
[9] DIDI-HUBERMAN, Georges. Images Malgré Tout... p. 151. “L´imagination n´est pas abandon aux mirages d´un seul reflet, comme on le croit trop souvent, mais construction et montage de formes plurielles mises en correspondances: voilà pourquoi, loin d´être un privilège d´artiste ou une pure légitimation subjectiviste, elle fait partie integrante de la connaissance en son mouvement le plus fécond, quoique – parce que – le plus risqué.”
[10] Idem. p. 166. “Il suffit de n´être naïf ni avec les archives ni avec le montage qu´on en produit: les premières ne donnent en rien la vérité ‘tute crue’ du passe et n´existent qu´à se construire sur l´ensemble des questions réfléchies que nous devons leur poser; le second donne précisément forme à cet ensemble de questions, d´où son importance – esthétique et épistémologique – cruciale.”

segunda-feira, 13 de julho de 2009

O caráter destrutivo

Goya, 1810.


Em 2007 começamos a flanar; assim, cada qual em seu périplo, territorialmente distantes, desterrados na estraneidade de histórias ex-cêntricas e simultaneamente comuns. Pela primeira vez, ao menos na trajetória desta pequena janela virtual, uma postagem conjunta. Um fragmento de des-esperança:

"Ao fazer uma retrospectiva de sua vida, alguém poderia vir a reconhecer que quase todos os vínculos mais profundos que nela padeceu partiram de pessoas sobre cujo caráter destrutivo havia unanimidade de opnião. Um dia, talvez casualmente, ele viria de encontro a esse fato, e quanto mais violento for o choque que assim lhe for desferido, tanto maiores serão suas chances de ter a representação do caráter destrutivo.
O caráter destrutivo só conhece um lema: criar espaço; só uma atividade: despejar. Sua necessidade de ar fresco e espaço livre é mais forte que todo ódio.
O caráter destrutivo é jovial e alegre. Pois destruir remoça, já que remove os vertígios de nossa própria idade; traz alegria, já que, para o destruidor, toda remoção significa uma perfeita subtração ou mesmo uma radiciação de seu próprio estado. O que, com maior razão, nos conduz a essa imagem apolínea do destruidor é o reconhecimento de como o mundo se simplifica enormemente quando posto à prova segundo mereça ser destruído ou não. Este é um grande vínculo que enlaça harmonicamente tudo o que existe. Esta é uma visão que proporciona ao caráter destrutivo um espetáculo da mais profunda harmonia.
O caráter destrutivo está sempre trabalhando de ânimo novo. É a natureza que lhe prescreve o rítmo, ao menos indiretamente; pois ele deve se antecipar a ela, senão é ela mesma que vai se encarregar da destruição.
O caráter destrutivo não idealiza imagens. Tem pouca necessidade delas, e esta seria a mais insignificante: saber o que vai substituir a coisa destruída. Para começar, no mínimo por um instante: o espaço vazio, o lugar onde se achava o objeto, onde vivia a vítima. Com certeza haverá alguém que precise dele sem ocupá-lo.
O caráter destrutivo faz seu trabalho, evitando apenas o criativo. Assim como o criador busca para si a solidão, o destruidor deve estar permanentemente rodeado de pessoas, de testemunhas de sua eficiência.
O caráter destrutivo é um sinal. Como um símbolo trigonométrico está exposto ao vento, por todos os lados, ele está exposto ao palavrório, por todos os lados. Protegê-lo contra isso não faz sentido.
O caráter destrutivo não está nem um pouco interessado em ser compreendido. Considera esforços nesse sentido superficiais. Ser mal compreendido não o afeta. Ao contrário, desafia a má compreensão tal como os oráculos, essas destrutivas instituições estatais, a desafiavam. O fenômeno mais típico da pequena burguesia, a bisbilhotice, se realiza apenas porque as pessoas não querem ser mal compreendidas. O caráter destrutivo deixa que o interpretem mal. Ele não fomenta o mexerico.
O caráter destrutivo é o adversário do homem-estojo. O homem-estojo busca sua comodidade, e sua caixa é a síntese desta. O interior da caixa é o rasto revestido de veludo que ele imprimiu no mundo. O caráter destrutivo elimina até mesmo os vestígios da destruição.
O caráter destrutivo está no front dos tradicionalistas. Alguns transmitem as coisas, tornando-as intocáveis e conservando-as; outros transmitem as situações, tornando-as manejáveis e liquidando-as. Estes são os chamados destrutivos.
O caráter destrutivo tem a consciência do homem histórico, cujo sentimento básico é uma desconfiança insuperável na marcha das coisas e a disposição com que, a todo momento, toma conhecimento de que tudo pode andar mal. Por isso, o caráter destrutivo é a confiança em pessoa.
O caráter destrutivo não vê nada de duradouro. Mas eis precisamente porque vê caminhos por toda parte. Onde outros esbarram em muros ou montanhas, também aí ele vê um caminho. Já que o vê por toda parte, tem de desobstrui-lo também por toda parte. Nem sempre com brutalidade, às vezes com refinamento. Já que vê caminhos por toda parte, está sempre na encruzilhada. Nenhum momento é capaz de saber o que o próximo traz. O que existe ele converte em ruínas, não por causa das ruínas, mas por causa do caminho que passa através delas.
O caráter destrutivo não vive do sentimento de que a vida vale ser vivida, mas de que o suicídio não vale a pena."

BENJAMIN, Walter. Imagens do Pensamento. In.: Obras escolhidas II. Rua de Mão Única. São Paulo: Brasiliense, 1995. Tradução: Rubens Rodrigues Torres Filho; José Carlos Martins Barbosa. pp. 235-237.

sábado, 11 de julho de 2009

O Caos

Goya, Loco furioso, 1824-28.


Pasolini no primeiro texto dedicado a O Caos, seção do semanário Tempo iniciada pelo autor em agosto de 1968:

"Otra cosa que querría decir en calidad de prólogo a esta serie de colaboraciones es lo que sigue: a menudo hablaré con violencia contra la burguesía: más aún, será éste el tema axial de mi palabra semanal. Y sé muy bien que el lector quedará "desconcertado" (¿se dice así?) ante esta virulencia; pues bien: todo quedará claro cuando especifique que por burguesía no entiendo tanto una clase social cuanto una verdadera y precisa enfermedad. Una enfermedad altamente contagiosa: tanto es así que ha contagiado a casi todos los que la combaten: desde los obreros del norte hasta los trabajadores que han emigrado del sur, los burgueses de la oposicíon y los "solitarios" (como es mi caso). El burgués - digámoslo en son de broma - es un vampiro que no descansa mientras no muerde el cuello de su víctima por el puro, natural y simple placer de ver cómo palidce, se pone triste, se deforma, pierde vitalidad, se retuerce, se corrompe, se asusta, se anega en sentimietos de culpa, se vuelve calculadora, agresiva, terrorista, igual que él.
¡Cuántos obreros, cuántos intelectuales, cuántos estudiantes han sido mordidos de noche por el vampiro y, sin darse cuenta, se están conviertiendo en vampiro a su vez!
Ha llegado pues el momento en que no basta con reconocer a la burguesía como clase social, sino como enfermedad: reconocerla ahora como clase social es además ideológica y políticamente falso (aunque se haga con los instrumentos del más puro e inteligente marxismo-leninismo). De hecho, la historia de la burguesía - en virtud de una civilizacíon tecnológica que ni Marx ni Lenin pudieron prever - está lista ya, si lo miramos bien, para coincidir con la universal histoira del mundo. Esto ¿es bueno o malo? Ni lo uno ni lo otro, creo yo; no quiero emitir oráculos. Es sencillamente un hecho. Pero pienso que es necesario tomar conciencia del mal burgués para intervenir con eficacia contra él y contribuir a que se un poco más positivo que negativo.
Desde mi soledad de ciudadano, pues, procuraré analizar a esta burguesía como enfermedad dondquiera que se encuentre: es decir, hoy más o menos en todas partes (una forma "astuta" de decir que el "sistema" burgués está en condiciones de asimilar todas las contradicciones, aunque es él mismo quien crea esas contradicciones, como dice Luckás, para sobrevivir superándose). Síntoma seguro de la presencia del mal burgués es precisamente el terrorismo, moral e ideológico: también en sus formas ingenuas (por ejemplo, entre los estudiantes).
Me embarco con esto, lo sé, en una empresa ingrata y desesperada; pero es natural, es irremediable, por lo demás, que, en una civilización en que cuenta más un gesto, una acusación, una toma de postura que un trabajo literario de años, un escritor opte por comportarse de este modo. Debe tratar de estar presente, por tanto, por lo menos pragmática y existencialmente, cuando en el frente teórico su presencia parece indemostrable.

Pasolini. El Caos. Contra el terror. Barcelona: Editorial Crítica, 1981. Traduccíon: Antonio-Prometeo Moya. pp.44-46.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

La nada


Claude Audran, Arabesque, 1704.


La nada, ¿puede ser expresada de manera significativa? La nada nunca puede ser un objeto, pero en tanto sujeto precede siempre y en todas partes a cualquier cosa. Cuando el lenguaje está reducido a los límites que fija la lógica de los objetos, la nada no puede ser expresada. El lenguaje debe estar libre de la sujeción a la lógica de los objetos. En la red de la lógica de los objetos no hay verdaderamente un sujeto y la distinción gramatical entre sujeto y objeto es confusa y engañosa. Porque ¿cómo se distingue el sujeto de una proposición ontológicamente del objeto lógico? Ambos son objetos. No sólo falla aquí el lenguaje; la lógica de los objetos no está en condiciones de expresar al sujeto ontológico. Si el lenguaje se viera liberado de esa lógica, quizá podría expresarse en él hasta el silencio.
Rodeado por la lógica de los objetos, Dios - si es que no se renuncia a él como nulo - queda sujeto a la soberanía de una idea; es evaluado como un valor entre valores. Todo aquel que valore a Dios como el valor más elevado o lo proclame como la idea suprema se hace culpable de la mayor blasfemia. Los superlativos que provienen de la esfera terrenal no adoran a Dios; lo profanan. Cuanto más alto se ubique a Dios en la escala de valores, más se lo profana. La teología, por lo tanto, nunca puede ser "natural"; pues en las relaciones terrenales ella no encuentra su punto de partida, sino su anti-tesis.
La nada como el sujeto ontológico es inmediatamente evidente por sí misma y no necesita de un fundamento. Sólo un "algo" puede ser objeto de una pregunta; la nada, en tanto sujeto, precede a todo. En cada "algo" hay una nada contenida como su fundamento; en cada "algo" que es sujeto ontológico la nada está implícita como sujeto. Toda investigación está dirigida a "algo" que debe dar prueba de sí respecto de la siguiente pregunta: ¿por qué hay algo y no más bien nada?

TAUBES, Jacob. Sobre una interpretación ontológica de la teología In.: Del Culto a la Cultura. Elementos para una crítica de la razón histórica. Madrid: Katz Editores, 2007. pp. 264-265.

domingo, 5 de julho de 2009

Elogio a Galy Gay


É o herói da comédia Um homem é um homem. Acabou de sair de casa para comprar um peixe a pedido da mulher, quando encontra casualmente soldados do exército anglo-indiano que, na pilhagem de um pagode, perderam um companheiro. Eles têm todo o interesse em arrumar rapidamente um substituto. Galy Gay é um homem que não sabe dizer não. Acompanha os três soldados sem saber o que pretendem com ele. Passo a passo adquire traços, pensamentos, atitudes, hábitos que se requerem de um homem na guerra; ele é inteiramente desmontado e remontado, renega sua mulher quando ela o encontra, e acaba tornando-se um temido guerreiro e conquistador da fortaleza Sir El Dchwr. O que lhe ocorre é explicado na seguinte passagem.

“O Sr. Bertolt Brecht afirma: um homem é um homem.
E isso qualquer um pode afirmar,
Mas o Sr. Bertolt Brecht também prova
Que qualquer coisa se pode fazer com um homem.
Esta noite, um homem é remontado como um automóvel.
Sem perder coisa alguma.
O homem é abordado com humanidade,
Solicitam-lhe com ênfase, mas sem desavença,
Adaptar-se ao curso do mundo
E deixar nadar seu peixe privado.
O Sr. Bertolt Brecht espera que os senhores vejam
Que o solo que pisam se derrete como neve
E que percebam com o empacotador Galy Gay
Que viver neste mundo é muito perigoso."



Walter Benjamin. "Bert Brecht" (trad. Margot Malnic). In: Documentos de Cultura, Documentos de Barbárie. p. 124.