Quando soube que a missão das folhas é definir o vento senti um arrepio e uma espécie de vertigem. Qualquer saber a respeito desse mapa desenhado pelas folhas não é senão uma desrazão. Como cartas de amantes lidas em segredo, o sopro do vento definido pelas folhas mostra-se como o desenho da intimidade: uma presença distante que se torna, a cada instante, componente de minha própria existência. Mas o que sabe o amor? Não é o amor um estado no qual a espera pelo outro, enquanto totalidade a mim de todo estranha, entranha-se na minha profundidade mais recôndita, estado em que, assim, se vive na intimidade do absolutamente estranho que é o outro? Intimidade, aliás, é sempre a relação com esse outro que se ama, outro este que não é uma imutável essência, mas uma existência à qual dirijo a liberdade do abandonar-se (sem razões) ao amor. Intimidade que não é intimação, proximidade que é pura distância e estranhamento. Mas a liberdade do amor é a do acolhimento desse estranho, é a criação (ex nihilo) de um mundo em que a impossibilidade da partilha, uma vez (e a cada vez) assumida, pode ser o infinito dos sentidos. E, assim, o amor, esta palavra que diz tudo e nada ao mesmo tempo ("elas se refugiaram na noite, as palavras"), pode ser uma toada tola em que o poeta se deleita:
"E o amor sempre nessa toada!
briga perdoa perdoa briga.
Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta para brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.
Mas, se não fosse ele, também
que graça que a vida tinha?
Mariquita, dá cá o pito,
no teu pito está o infinito."
Imagem: Albrecht Altdorfer. Amantes. 1530. Szépmûvészeti Múzeum, Budapeste.