segunda-feira, 6 de abril de 2015

Pequeno parágrafo sobre o amor



Destituo da palavra amor qualquer sentido de ser palavra. Quantas vezes já não se perguntaram os homens por que as palavras os deglutem num perene movimento sem sentido. E a vida corre como um rio para nenhum mar (e as metáforas descem o rio para mostrar a incompletude certeira das palavras). Jorram palavras onde antes havia silêncio. Mas todas as coisas, ainda que faladas, continuam em sua mudez inexorável, toda sensação é incompleta na expressão que tenta, a todo custo, ser sua origem, exposição ou fim. Permaneço aqui, inerte, tentando escrever uma só palavra que dê o sentido do amor e nada acontece. Disse um filósofo que uma ideia do amor  é "viver na intimidade de um ser estranho não para dele se aproximar, para torná-lo conhecido, mas para o manter estranho, distante e mesmo inaparente - tão inaparente que seu nome o contenha por completo." Tudo não passa de uma evocação de um nome que, ainda assim, é de todo desconhecido? Pode ser. Mas também a neblina, que agora torna inaparentes os objetos mais próximos e esgarça qualquer pretensão de certeza, pode ser uma ideia do amor. Amar pode ser um erro sem palavras, pode ser uma carta escrita e jamais enviada (ou todas as que já foram destinadas), pode ser o puro movimento de nosso destino: o errar sem conta, afinal, a cada vez que alguém parte, resta apenas um adeus para nos lembrar quão errantes, e amantes, somos pela vida. E talvez nos sobre apenas uma estrofe de poema em que dizer a palavra amor não é nada mais que tentar vivê-la em erro:

"Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita"



Imagem: Lucas Cranach. A fonte da juventude (detalhe). 1546. Staatliche Museen, Berlin.




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