Entre 1921 e 1922, diante do fenômeno
perturbador do esquadrismo fascista,
o editor bolonhês Licinio Cappelli começou a impressão de uma série de instant books que comporiam uma
“coleção" intitulada “O fascismo e os partidos políticos": já em 1921
saiu O fascismo e a crise italiana, do
católico liberal Mario Missiroli e, no ano seguinte, O fascismo: dados, impressões, notas, do socialista Adolfo
Zerboglio e As origens da missão do
fascismo, do esquadrista Dino Grandi com introdução à "coleção"
do filósofo socialista Rodolfo Mondolfo; depois, O fascismo visto por republicanos e socialistas, com intervenções
de Guido Bergamo, Giuseppe De Falco, Giovanni Zibordi; e, por fim, A contrarrevolução preventiva, de Luigi
Fabbri, com o subtítulo editorial Ensaio
de um anarquista sobre o fascismo. De fato, só o texto de Fabbri representa
um primeiro autêntico "ensaio” sobre o fascismo, é claro que não
"acima da luta”, como ele declara aludindo ao volume pacifista Au-dessus de la mélée, de Romain
Rolland, mas fora das perspectivas estreitas de partido e das táticas da
política parlamentar. Já o título se propõe a definir objetivamente o fenômeno,
aliás, a renomeá-lo: não “impressões", não "o fascismo visto a partir
de...”, mas uma investigação que em cada linha e a partir da crônica minuciosa,
narrada com o gosto vivo do relato, procura remontar à forma social do fascismo
como "contrarrevolução preventiva". Fabbri observa de longe, até veste
a túnica auto-irônica do "profeta”, observa no presente o futuro e também nos
fala, com lúcida e surpreendente vitalidade. Ao reimprimir este ensaio, a
Assembleia Antifascista Permanente de Bolonha não pretende propor uma operação
arqueológica ou memorialística, nem instituir sumárias analogias entre o
fascismo histórico e nossa inquietante atualidade, feita de violências
neofascistas, patrulhas, populismo, racismo, leis autoritárias e manipulação
revisionista da memória. Acreditamos, porém, que este livro, ainda que com seu
estilo simples e modesto, encerre uma lição importante e de todo eficaz a
respeito das estruturas do poder contemporâneo e sobre as estratégias do
fascismo.
Em 1922, Luigi Fabbri completava quarenta e
cinco anos, era professor de escola fundamental em Corticella, na província de
Bolonha, e militante anarquista há mais de vinte anos. No pequeno subúrbio
bolonhês, o “mêster Fabbri” era um personagem que gozava de muita consideração,
igual e contrária à do pároco, e por isso sofrera intimidações e ataques por
parte dos fascistas. Sua voz é sobretudo a de uma testemunha que viu uma cidade
"vermelha” como Bolonha se tornar, no espaço de poucos meses, uma
fortaleza, aliás, o berço do fascismo e da reação antiproletária. Pouco depois,
em 1925, ele será um dos três professores do ensino fundamental a recusar o
juramento de fidelidade ao regime de Mussolini e, depois disso, rumará ao
exílio, primeiro em Paris e depois em Montevidéu, onde morrerá em 1935, na hora
mais escura da noite do século XX. Não é preciso aqui seguir o homem, mesmo
porque assim já o fez com perspicácia e sensibilidade a filha Luce Fabbri em Luigi Fabbri. História de um homem livre (Pisa,
Biblioteca Franco Serantini, 1996),
mas é importante sobretudo descrever brevemente a sorte singular da Contrarrevolução preventiva, cujo
título, adverte Luce Fabbri, “teve tanta fortuna a ponto de se tornar um lugar
comum para a definição do fenômeno”. Apesar de, no fim de 1922, os fascistas
terem destruído as cópias ainda não vendidas do livro, tanto que hoje
sobrevivem nas bibliotecas italianas menos de trinta exemplares da edição
original, a tese do ensaio escrito com pressa nos últimos e tumultuados meses
de 1921 teve desde o início uma grandíssima ressonância. Assim, enquanto o nome
de Fabbri logo tenha caído no esquecimento, o conceito de
"contrarrevolução preventiva” atravessa toda a história intelectual do
século XX. Habent sua fata libelli, também
os livros têm seu destino.
***
De fato, a fortuna da análise de Fabbri foi
imediata. Diante de um fenômeno então novo e difícil de interpretar, a Contrarrevolução preventiva ia além de
toda condenação moralista das violências esquadristas e delineava a formação de
uma cultura reacionária de massa promovida pelo Estado e pela burguesia “com a
tripla ação combinada da violência ilegal fascista, a repressão legal do
governo e a pressão econômica derivada do desemprego”. Para Fabbri, tratava-se
de mostrar os “coeficientes" e os "fatores” que ligavam o esquadrismo
aos novos sistemas repressivos do poder estatal, político, cultural e
econômico: as violências fascistas não eram um fenômeno isolado e episódico,
mas uma função fundamental da “reação antiproletária” como reversão preventiva da
luta de classes por meio da qual a burguesia, sem renunciar às aparências da
legalidade e do liberalismo, agredia as conquistas operárias e disciplinava a
sociedade. Assim, desde 1923, a Conferência comunista internacional de
Frankfurt anexava ao protocolo do debate uma avaliação do Fascismo italiano
como "uma contrarrevolução preventiva (vorbeugende
Konterrevolution) diferente da contrarrevolução clássica enquanto apela a slogans
pseudo-radicais".
E isso diz muito sobre como os movimentos revolucionários europeus eram, nos
anos 20, um âmbito extraordinário de trocas e de debates além inclusive das
contrastantes experiências ideológicas e organizativas. Um ano depois do livro,
a fórmula proposta por Fabbri começava a ressoar nas diversas línguas da Europa
anárquica, socialista e comunista.
Mas mais instrutivo para nós hoje é
considerar a reação da cultura fascista ao livro de Fabbri. Com a Contrarrevolução preventiva ele havia
renomeado o Fascismo delineando com vivacidade o emaranhado de interesses
econômicos, coberturas institucionais e mitologias deterioradas sobre as quais
se sustentava. Havia ilustrado como fator determinante de seu sucesso a
fragilidade do socialismo reformista e legalista. Nunca nomeava Mussolini. Não
havia usado as palavras do poder para falar do poder. Contra esse penetrante
retrato de primeira hora do Fascismo, saia em Milão, em 1923, um pilar do culto
fascista da personalidade: O homem novo, de
Antonio Beltramelli. Para Fabbri, o Fascismo era um agregado heterogêneo de
ódio anti-operário, vantagens patronais, ambições carreiristas, facções litigiosas
e prepotentes: sua "fraqueza orgânica" era “o vazio de ideias sobre o
qual se apoiava”, a incapacidade de propor um modelo qualquer de sociedade que
não fosse "o arbítrio instável e contraditório dos indivíduos, dos grupos
inorgânicos, dos interesses cegos, das vontades impulsivas, não unidas por uma
ideia, mas por um ódio, apenas pelo desejo destrutivo”. Por isso, o Fascismo
tinha necessidade de “vãs palavras retóricas”, de “fórmulas vagas”, de
mitologias e “símbolos" unificadores. E Fabbri é excepcionalmente atento
também ao desmascarar a ofensiva simbólica do Fascismo e ao mostrar sua função
complementar em relação à prática da violência esquadrista. Não surpreende que
justamente a capacidade de decompor e redefinir o Fascismo como “contrarrevolução
preventiva" irritava e indignava Beltramelli, e este não acha nada para
contrapor a Fabbri senão a retórica prolixa do “Duce” e do “homem novo”, capaz
de plasmar a história com a “sua paixão mortal e magnífica”:
"Observei,
ademais, como em muitos dentre os estudos publicados recentemente sobre as
origens e o desenvolvimento do Fascismo alguns autores procuram colocar a
figura de Benito Mussolini em último plano, ou dela nem ao menos falam, como
faz, por exemplo, o anarquista Luigi Fabbri em sua monografia intitulada A contrarrevolução preventiva. Meias
palavras piedosas que nada fazem e nem agridem, porque ainda que todas as
condições favoráveis do mundo se deem para o nascimento de um movimento
histórico, se não aparecer o Homem destinado e aquele que possa se somar a seu
fascínio, à obstinada força de sua vontade, ao vigor de seu engenho, ao orgulho
de sua coragem – condições nas quais ele se faz pregoeiro do novo verbo e vive
a paixão desse verbo desesperadamente, além de tudo no mundo, a ponto de
preferir o último silêncio à falência dessa sua paixão mortal e magnífica –, se
esse homem não aparecer, a humanidade não poderá se beneficiar das condições
favoráveis que em vão se mostraram e em vão foram vividas".
A Contrarrevolução
preventiva é um livreto de 100 páginas. Mas para apagar seu discurso lúcido
e rigoroso o Fascismo teve que destruir todas as cópias que encontrou e a ele
contrapor um volume oratório e retórico de mais de 600 páginas com uma imensa
tiragem como, justamente, é O Homem novo.
Não se trata de algo que diga respeito apenas ao passado. Também hoje o
esquadrismo simbólico dos neofascistas é complementar a seu esquadrismo real.
Não são apenas as agressões, os esfaqueamentos, os homicídios (registrados no
site www.ecn.org/antifa/). São também
aqueles gestos que se passam por provocações artísticas ou iniciativas
culturais, com a cumplicidade de jornalistas famintos por notícias quentes e
até mesmos amigos escondidos atrás das costas dos neofascistas. Por exemplo, em
dezembro de 2008, por ocasião do aniversário do Massacre da Piazza Fontana,
que a Assembleia Permanente lembrava com uma manifestação, CasaPound
procurou apresentar em Bolonha um livro-entrevista com o terrorista de direita
Pierluigi Concutelli, um dos fundadores do movimento Ordine Nuovo, a organização responsável pelo massacre: um caso de
provocação explícita e de reivindicação alusiva. Alguns meses depois, em Milão,
no aniversário do assassinato de Eugenio Curiel, partigiano judeu morto pelos
agentes da República em 24 de fevereiro de 1945, os mesmos desconhecidos
picharam com verniz vermelho a lápide comemorativa e sobre ela colocaram 30
balas de calibre 30: outro caso de reivindicação alusiva ou, se quiser, de
intimidação. Entre as várias iniciativas dos esquadristas simbólicos há também esta
história difundida pela CasaPound: fala sobre um simpatizante homossexual do
movimento, P.D., de 45 anos, de Castelli Romani, que, no processo de
submeter-se a uma operação para troca de sexo, pedia “uma garantia por parte da
cúria bispal em relação a seu desejo de virar freira e entrar para um
convento”... Os jornais, sempre condescendentes com os “fascistas do terceiro
milênio”, difundiram a notícia, mas se tratava apenas de uma grande mentira –
declara CasaPound – para criticar o Partido Democrático “que muda de pele a
cada duas semanas”. Ou, antes, para ofender a escolha trans, comparando-a a um
partido que já não tem identidade: uma ofensa alusiva, um insulto apenas
simbólico. De forma análoga, em fevereiro de 2009, em Palermo, diante da sede
do coletivo Malefimmine, apareciam escritas ameaças como “collettivo Maletroie”, assinado por CasaPound, e "compagna quando ce vedi te se bagna”.
Também não nos esqueçamos de que o romance futurista de Filippo Tommaso
Marinetti, Mafarka, funda-se sobre a
descrição sádico-erótica de um estupro coletivo: “Escreveu assim ‘O estupro das
negras’ pois de um grande furor tórrido de luxúria e brutalidade a grande
vontade heroica de Mafarka pôde brotar", declarava Marinetti em 1910. E o
fórum de CasaPound se chama justamente vivamafarka...
Ainda hoje a nova “contrarrevolução
preventiva" ativa é uma estratégia que associa ao mesmo tempo a violência
extralegal, as conveniências institucionais, a manipulação midiática, o
nacionalismo racista e sexista, a cultura intimidadora do esquadrismo
simbólico.
Mas voltemos ao passado remoto. De fato, é
importante sublinhar como a análise de Fabbri contribuiu para a formação de uma
consciência antifascista revolucionária na Europa desde os anos 20 e 30 do
século passado. Também na Espanha de 1936 será justamente a lição de Fabbri que
permitirá a crítica de toda interpretação do conflito civil como simples
“guerra do antifascismo contra o fascismo” e considerá-lo, pelo contrário –
escrevia Horacio Badaraco em 1937, citando Fabbri –, como uma irrenunciável
"guerra social” operária contra a "contrarrevolução preventiva"
guiada pelo generalíssimo Francisco Franco.
Não é preciso multiplicar aqui os exemplos e basta dizer que até mesmo
Alexandre Koyré, o grande estudioso de Galileu e de Newton, irá refletir, em
1945, sobre a especificidade do nazifascismo como exemplo de “quinta coluna” e
de “traição" da oligarquia burguesa contra a sociedade civil:
"Se
mesmo com essa ajuda não consegue realizar seus planos, a oligarquia dirigente
da sociedade burguesa se transformará em ‘inimiga interior’ e a ‘quinta coluna’
aparecerá. [...] ela é, essencialmente, um fenômeno de contrarrevolução, aliás,
de forma mais exata, de contrarrevolução preventiva. Ela é também, e também de
forma essencial, um fenômeno de traição."
Mas aí a memória do livro de Fabbri já havia
sido apagada e o conceito de “contrarrevolução preventiva", declinado das
mais diversas maneiras, havia se tornado patrimônio comum do antifascismo
europeu como sinônimo de ditadura e totalitarismo. A fórmula havia se afastado
de seu autor.
***
Depois de 1945, a derrota do nazifascismo e
a estabilização bipolar do segundo pós-guerra pôde tornar obsoleta a tese da
"contrarrevolução preventiva” como interpretação histórica de um regime
autoritário já deposto. Ainda assim, a invenção terminológica de Fabbri
encerrava uma profunda intuição das novas formas repressivas da sociedade
burguesa: com o Fascismo, a contrarrevolução não vinha depois de uma subversão social para revertê-la e restaurar com
força o regime anterior, mas devia prevenir toda possibilidade de revolta; não
era mais um evento colocado no tempo, mas se tornava uma função permanente que
se antecipa aos fatos: "a própria ideia de constituir núcleos de 'audazes
do povo' foi preventivamente reprimida”. Todavia, a definição cunhada por
Fabbri, mesmo sem nenhuma marca de autor, não saiu do trilho. Fugido da
Alemanha nazista para o Estados Unidos em 1934, Herbert Marcuse – que na
juventude havia militado no partido socialdemocrata alemão – retoma e
rearticula a categoria analítica da "contrarrevolução preventiva"
("preventive counterrevolution”) depois das insurreições globais de maio
de 1968. Herdando-o do debate alemão dos anos 1920, Marcuse reinterpreta e
estende o conceito de “contrarrevolução preventiva" como eixo fundamental
da dialética contemporânea entre contestação e repressão, entre a
"contrarrevolução" e a “revolta”. Na abertura de Counterrevolution and Rivolt, de 1972, um dos livros-chave dos anos
1970, ele assim descrevia a resposta capitalista à desestabilização produzida
pelos novos movimentos sociais em escala planetária:
“O
mundo ocidental chegou a um novo estágio de desenvolvimento; neste ponto, a
defesa do sistema capitalista impõe, no interior e no exterior, a organização
da contrarrevolução que opera, em suas manifestações extremas, os horrores do
regime nazista. [...] Trata-se de uma contrarrevolução em larga medida
preventiva, inteiramente preventiva no mundo ocidental, onde não há nem
revoluções recentes para serem anuladas nem novas revoluções no horizonte.
Ainda assim, o medo da revolução, que constitui seu denominador comum,
vincula-se nos vários estágios e aspectos à contrarrevolução, percorrendo toda
sua gama, das democracias parlamentares às ditaduras abertas, passando pelos
estados de polícia. O capitalismo se reorganiza para enfrentar a ameaça de uma
revolução que seria a mais radical da história, a primeira verdadeira revolução
histórico-mundial”.
Além das descontinuidades exteriores, para
Marcuse a história do século XX tinha de ser relida de forma unitária como a
aproximação de diversas formas históricas de “contrarrevolução preventiva"
segundo três fases sucessivas: 1) a ascensão dos fascismos na Europa,
caracterizada pela “liquidação" violenta de “toda uma geração de
representantes revolucionários da classe operária", pela “delegação da soberania
econômica ao aparato estatal fascista”, pela transformação das classes
subalternas em massas “uniformizadas” e convencidas pela propaganda de seu
“privilégio" como nação em relação ao "sacrifício" de grupos
estrangeiros, inferiores e marginais; 2) a estabilização pós-bélica, marcada
pela reorganização do sistema capitalista sob a hegemonia estadunidense, pela
divisão concordada do mundo em duas áreas de influência, pelas políticas de
coesão e de controle cultural para normalizar as condutas dissidentes; 3) a
revolta dos anos 1970, contra a qual readquire uma nova centralidade o aparato
de polícia: no interior, como estratégia de contraste preventivo dos impulsos
revolucionários (espancamentos, fichamentos e discriminações), no exterior como
containment policy contra os
movimentos de liberação nos países coloniais, para evitar a difusão
concomitante de “dois, três, muitos Vietnãs" nas periferias do mundo e nos
centros urbanos do Ocidente.
Nessa última fase, escreve Marcuse, "as forças da lei e da ordem foram
transformadas em forças acima da lei”. Todavia, nos Estados Unidos o peso da
repressão não se volta à “classe operária", mas aos fermentos de oposição
radical, acima de tudo "às universidades e aos militantes de cor",
com o desdobramento que espraia na sociedade “um grande exército de agentes à
paisana". É ainda uma "contrarrevolução preventiva”, mas, para
Marcuse, seria errado falar genericamente de “regime fascista”:
"O
fator decisivo é outro: trata-se de compreender se a fase atual da
contrarrevolução (preventiva), isto é, a fase democrático-constitucional, está
preparando o terreno para uma sucessiva fase fascista ou não".
Desde os anos 1970 essa interrogação – se
"a contrarrevolução [...] pode produzir fascismo"
– inquieta os movimentos de protesto e a inteligência crítica que indaga sobre
as formas do domínio capitalista. Basta citar, a título de exemplo, Michel
Foucault, que mesmo criticando a concepção marcusiana do poder como simples
“repressão", observava, em 1977, que "a não análise do fascismo é um
dos fatos políticos importantes dos últimos trinta anos”.
E, ainda, nos Comentários sobre a
sociedade do espetáculo, de 1988, Guy Debord aludia aos massacres de estado
como "uma espécie de guerra civil preventiva".
Mas não é este o âmbito para explorar esses desenvolvimentos e problemas.
***
Por fim, resta sublinhar uma lição de
método. Muito antes da Marcha sobre Roma, na lúcida consciência da derrota e na
convicção de que, para combater o mal, “é preciso encará-lo, examiná-lo",
o ensaio de Fabbri apreendeu o nexo constitutivo que liga o fascismo à
contrarrevolução em seu nexo constitutivo. Elucidando essa relação, Contrarrevolução preventiva de fato
inaugurou um campo de pesquisas histórico-política que vai além das fortunas da
fórmula que dá título ao livro. Não é um acaso se, a partir da metade do século
XX até hoje, a reflexão sobre o perigo fascista repropôs várias vezes e em
conjunturas diversas o problema crucial do fascismo como forma particular de
contrarrevolução, enunciado com rara agudeza de olhar justamente por Fabbri.
No cruzamento entre a Contrarrevolução preventiva e o reemergir de sua problemática
depois de 1968, é então de particular importância um texto do comunista
libertário Daniel Guérin, Fascisme et
grand capital. Escrito "depois da tomada de poder por Hitler, no
início de 1933, e depois da tentativa de putsch
fascista de 6 de fevereiro de 1934” (isto é, a tentativa de tomada de
assalto do Parlamento francês pelas mãos dos fascistas da Action française), e publicado pela primeira vez em 1936, Fascismo e grande capital se propõe a
"diagnosticar a verdadeira natureza do
fascismo”: “Aos meus olhos”, escreve Guérin em 1956, “o fascismo era uma
doença. Para descrever um mal novo e ainda pouco conhecido, um médico não
dispõe de outra fonte a não ser comparar minuciosamente seus sintomas...”.
No centro de um novo momento crítico, reemerge – nos mesmos termos, mas em
forma mais complexa em conformidade com a nova situação – a necessidade de
examinar o mal para combatê-lo, tal como sustentado por Contrarrevolução preventiva nos primeiros anos do decênio
precedente. Para Guérin, o nazifascismo representa a expressão política do
"grande capital” que – diante da crise – recusa e suprime os próprios
antigos ideais de "liberdade” e “democracia”, então incompatíveis com a
hegemonia burguesa: “assim, a burguesia destrói raivosamente seus velhos ídolos
e os teóricos da antidemocracia se tornam os mestres de seu pensamento”.
Mussolini declarava em 1926: “Nós representamos a antítese clara, categórica,
definitiva [...] dos princípios de 1789”. E Goebbels, em 1933: “O ano de 1789
será apagado da história”. Mas justamente o caráter contrarrevolucionário dos
fascismos europeus e sua relação orgânica com o grande capital colocava a
questão sobre se tais regimes poderiam ser representados ainda sob novas
formas. Também nesse caso, Fabbri está um passo à frente: no último capítulo do
livro, ele prognostica que o Fascismo “cedo ou tarde acabará”, prospectando um
articulado quadro das diversas formas possíveis de seu inevitável fim; e é aqui
que, como em contrapartida, ele formula uma questão que nunca cessou de se
recolocar em diversas circunstâncias até hoje: a possibilidade do Fascismo se
reproduzir depois de sua queda.
"Tudo
isso vem a confirmar o já dito: que o fascismo é um ramo do grande tronco
estatal-capitalista, ou uma filiação dele. Combater o fascismo deixando
imperturbado seu perene genitor, aliás, iludindo-se ao querer encontrar neste
um defensor contra aquele, significa continuar a ter sempre às costas, a cada
dia mais pesados e opressivos, tanto um quanto outro. Matar o fascismo é
possível apenas se a ação de defesa contra ele, imposta pelas circunstâncias,
for acompanhada do ataque a suas fontes: o privilégio do poder e o privilégio
da riqueza. Mas matá-lo é necessário, e é preciso que o proletariado chegue a
isso diretamente e com todas as suas forças, porque se o fascismo apenas
estivesse dormindo ou fosse reabsorvido pelas instituições atuais, ele sempre,
ou ao menos mais facilmente, poderia se reproduzir. A burguesia aprendeu o modo
de se servir dessa arma; e se o proletariado não tira da burguesia a vontade de
usá-la, demonstrando com os fatos que é capaz de arrancá-la de suas mãos, ela,
mesmo se por ora depusesse essa arma, voltará a empunhá-la na primeira ocasião."
À tese conclusiva de Fabbi seria possível
aproximar agora duas frases lucidamente antecipadoras – retiradas do prefácio
de Guérin a Fascismo e grande capital – que
demarcam o espaço de um problema ainda mais decisivo para nosso presente. Março
de 1945: "Amanhã, as grandes ‘democracias’ poderão recolocar com toda
natureza o antifascismo no ferro-velho. Desde já, essa palavra mágica, que fez
com que os trabalhadores se insurgissem contra o hitlerismo, é considerada com
suspeita e aversão tão logo sirva para agregar novamente entre si os
adversários do sistema capitalista". Novembro de 1956: "Portanto, não
é preciso deixar-se hipnotizar pelo perigo de um retorno ofensivo do fascismo
‘puro’: a contrarrevolução poderia reaparecer de outras formas”. Nesse sentido, não se deve esquecer que na
Itália houve uma forte continuidade entre Fascismo “reabsorvido pelas
instituições" e República. Em 1960, foi verificado que 62 dos 64 prefeitos
em serviço haviam sido funcionários fascistas. O mesmo valia para todos
(todos...) os 135 delegados e seus 139 vices. Assim, depois de 1968, vieram os
massacres.
***
Hoje, talvez tenhamos atingido um limiar
histórico que poderá dar uma resposta à velha pergunta renovada por Marcuse. Aos
nossos olhos foram pouco a pouco reativados na Itália alguns dos dispositivos
do nazifascismo que operaram entre 1938 e 1945: o rastreamento de corpos
clandestinos que devem ser expelidos, a detenção em campos por ter cometido o
"crime" de existir, os muros de separação étnica, a instituição de
salas de aula separadas para "estrangeiros", o acesso diferenciado
aos tratamentos médicos, uma nova política sempre mais obscura e agressiva de
"saúde pública". Nos anos setenta do século XX a fascistização era um
fenômeno sobretudo vertical estatal, de continuidade institucional entre
Fascismo e República, de tentativas de golpe de estado, de bombas nas praças,
de complôs e segredos obscuros. Agora, pelo contrário, é um fenômeno difuso,
capilar, em grande parte à luz do dia, articulado sobretudo sobre o racismo e
alimentado pela TV, governos, revistas, administrações locais. Consideremos
quantos seguranças, policiais civis, policiais armados, conselhos comunais
foram protagonistas, nos últimos anos, de agressões ou medidas racistas contra
ciganos e imigrantes: mortes anormais, surras, torturas, prisões
injustificadas, intimidações, separações forçadas, ordens anti-imigrantes,
prepotências de todos os gêneros. Na Itália, o racismo já se parece com uma
Bolzaneto a
céu aberto. E foi uma “estratégia da tensão” adaptada aos novos tempos: não
mais vertical, mas difusa, de baixa intensidade. Os homicídios fascistas e
racistas são agora um massacre em parcelas. Pessoas inconscientes e indefesas
mortas por causa de um cigarro, de uma palavra, de um pacote de biscoitos.
Justamente o clima de violência xenófoba e
“securitária", fomentado nestes anos por políticos, prefeitos, juízes e
jornalistas, deu garantias para grupos e partidos neofascistas e consentiu a
reorganização da direita. Não se trata apenas de uma consolidação operativa,
mas também simbólica. Pensando bem, o atual esquadrismo neofascista não teria
vigor se não houvesse um disciplinamento autoritário difuso, o qual é preciso
obstaculizar em cada uma de suas formas: a respeitabilidade agressiva, o
patriotismo, a propaganda insistente do “medo” racista e homofóbico, o
familiarismo opressor, o sexismo, a vontade de punir quem não faz filhos
brancos itálicos e católicos, a perseguição contra a prostituição e o aborto, a
manipulação da memória pública. Aparatos estatais e organizações neofascistas
colaboram atualmente para construir uma cultura de massa do ódio e da
discriminação contra os presumidos "diferentes” e para convencer as “classes
expropriadas” – essa é uma das características do neofascismo segundo Marcuse –
a se considerar "como população privilegiada em relação aos ‘grupos
estrangeiros’ sacrificados”.
Por isso, acreditamos que hoje o
antifascismo não constitui apenas um resíduo esgotado do passado, mas um campo
vivo e irrenunciável de práticas e resistências contra os processos de
disciplinamento social, na escola, no trabalho, na vida privada, na família, na
sociedade. Como também foi mostrado no recente Festival social das culturas
antifascistas em Bolonha, entre 29 de maio de 2 de junho de 2009, trata-se de
apreender os desafios da contemporaneidade e experimentar o antifascismo do
século XXI. Catilina, o pseudônimo que Fabbri usou na juventude, agora nos
fala. Catilina ainda fala.
Bolonha, 12 de outubro de 2009.
Assembleia Antifascista Permanente – Bolonha
https://assembleantifascistabologna.noblogs.org/ (para as atividades entre dez/2006 e
jan/2010) e https://staffetta.noblogs.org/ (para as atividades a partir de jan/2010)