1. Na seção da Fenomenologia do Espírito em que
desenvolve as figuras da consciência infeliz, Hegel trata da oração e da sua
relação com o pensamento. Jogando com a etimologia do termo Andacht (oração, devoção, da mesma raiz
que denken, pensar), ele escreve que
a consciência infeliz geht... sozusagen
nur an das Denken hin und ist Andacht, “por assim dizer, apenas vai ao
pensamento e é oração”. “O seu pensamento como tal”, ele acrescenta, “permanece
o informe zumbido de sinos ou um quente e nebuloso apagamento, um pensamento
musical (ein musikalisches Denken)
que não atinge o conceito, que seria a única imanente modalidade objetiva. A
este infinito, puro sentir, advém o seu objeto, mas de modo que este sobrevenha
não como con-cebido (begriffenes) e,
portanto, como algo de estranho. Assim está presente o movimento interior do puro sentimento, que se sente,
entretanto, dolorosamente, como cisão (Entzweiung);
o movimento de um infinito desejo (Sehnsucht) que tem a certeza de que a
sua essência é um tal puro sentimento, um puro pensamento, que pensa-se como singularidade..., mas, ao mesmo
tempo, essa essência é o além inacessível
que, enquanto é apreendido, foge, ou, ainda, já fugiu”.
A oração é, portanto, uma
experiência de linguagem que vai em
direção ao pensamento sem jamais atingi-lo; ela é tensão e infinita nostalgia,
que jamais com-preende o que quer apreender e jamais chega onde quer ir. No seu
desejar, ela certamente faz experiência da própria cisão, do próprio não ser
apenas um mero som, mas não a supera nem pode atingir a unidade senão na forma
de um “momento musical” (musikalisches
Moment – pense-se naquelas breves e intensas composições para piano de
Schubert, que parecem inconclusas e cujo conceito é inapreensível, que os
editores intitularam moments musicaux).
Por isso, a oração não pode verdadeiramente pensar [denken], jamais pode reconhecer-se na cisão, estar em casa na
alteridade; pode apenas dar graças (danken],
isto é, receber do exterior o que, na verdade, é ela mesma que faz.
2. É possível exaurir a
experiência que está em questão nesses antigos textos sírios nos termos do Andacht hegeliano? Eles mesmos, na
verdade, indicam a própria experiência central como algo que está além da
oração. Mar Isaac, de fato, fala dela [que define como nome, téoría, que, no vocabulário técnico da
filosofia grega, designa o pensamento supremo) como de uma experiência que “separa
a oração dos lábios” e como de uma passagem do pensamento “àquilo que se
tornará não-oração, mais excelente do que ela, pois os movimentos da língua e
do coração durante a oração são as chaves; o que está depois deles é o ingresso
na cela do tesouro”. O intelecto sai dos movimentos da oração e entra “nos
movimentos do espírito” e, aqui, “não tem que orar”, “orar, não ora”. Assim, para
João de Dalyatha, “pelo estupor produzido pela luz, a oração é interrompida” e
o que então acontece, “na região da admiração”, é uma “operação do espírito,
não dos movimentos da oração”. Essa região central que, em um dos mais antigos
textos aqui apresentados, a carta de João o Solitário, é também definida
“oração espiritual”, não é nem mesmo algo como “um pensamento musical”, que
continuamente tende a um inatingível conceito; nela, como não se ouvem soar
palavras, não se ouve canto nem “zumbido de sinos”: “mais interna do que a
língua e mais profunda do que os lábios”, ela é “mais interna do que as
palavras” e “além do canto”.
A experiência que aqui está
em questão não é, portanto, simplesmente oração no sentido hegeliano. Ela não
se limita a ir em direção do
pensamento, mas o atinge. Quem a
realiza não apresenta, por isso, a figura do servo, nem a que Hegel, a respeito
da consciência infeliz, caracteriza como o desdobramento de servo e patrão em
uma única e dupla figura; “um, enquanto é servo”, escreve João de Dalyatha,
“propriamente ora; quando é nascido do espírito no mundo da oração, é filho de
Deus e dispõe da riqueza”.
Mais do que ao Andacht da consciência infeliz, ela se
assemelha à figura do êxtase (Ekstase),
de que, em uma passagem do Prefácio à
Fenomenologia sobre o qual se deveria
atentamente refletir, diz-se que era “nada mais do que o puro conceito” (nichts
anderes als der reine Begriff). É, ao contrário, na dimensão dessa
identidade de êxtase e puro conceito que podemos nos aproximar da experiência
de pensamento que aqui está em questão. Ela define, de fato, o seu centro com o
nome que, na filosofia hegeliana (a filosofia que – não devemos esquecer –
pensava si mesma como a realização da experiência cristã) indicará o próprio
sujeito: o Espírito.
Êxtase, espírito, pensamento,
conceito: mas sabemos nós verdadeiramente o que significam essas palavras?
3. “Silêncio” e “estupor” são
os dois termos por meio dos quais esses textos nos significam a sua experiência
extrema.
“Daqui em diante”, escreve
João de Dalyatha, “não é lugar de palavra para o qual o curso da pena possa
escorrer por caminhos de palavra. Daqui um termo é colocado, o silêncio. À
inteligência somente é permitido passar e ver em si a anulação de todo
mistério; é lícito para ela entrar e estupefazer-se pela beleza da admiração
que está além de tudo e fechada em tudo”. “Não há verdadeiro nome para a
realidade do mundo novo”, escreve Isaac de Nínive, “mas uma ciência simples,
que está além de todo nome, signo, figura, cor, forma e designações compostas”;
onde a oração cessa, tem-se somente “olhar no estupor”. E João o Solitário
assim descreve o termo último do itinerário da mente: “Silêncio espiritual,
quando desiste também dos movimentos induzidos pelas criaturas espirituais e
somente na Essência se produzem os seus movimentos, no estupor pelo silêncio
que está sobre ela”.
Como devemos pensar a
experiência que é aqui indicada como silêncio e como estupor, ou ainda, em um
insolúvel cruzamento, como “estupor pelo silêncio”? E o que significa para o homem – o falante, o
vivente que tem a linguagem – fazer experiência do silêncio, estupefazer-se
pelo silêncio? Está aqui em questão algo que não tem nenhuma relação com a
linguagem, um mais íntimo e secreto nexo, que se trata, portanto, de
experimentar e trazer à luz?
João o Solitário apresenta a
oração espiritual como um itinerário que atravessa as palavras e o canto e
progressivamente se silencia nestes. Mas a figura do silêncio, da qual aqui se
trata, não é de modo algum um simples calar-se, um “silêncio da língua”. Ao
contrário, esse silêncio fala e canta, é um “cantar na mente e em espírito” e
um “discurso espiritual”. Releiamos inteiramente essa passagem:
“Silêncio é Deus, e no
silêncio é cantado a Deus o cântico que é digno dele. Não digo no silêncio da
língua. Se alguém se cala com a língua não sabendo cantar na mente e no
espírito, este, no seu silêncio, é ocioso, e maus pensamentos vêm até ele
porque se cala exteriormente mas não sabe cantar interiormente, dado que ainda
não se dissolveu a língua do homem escondido porque balbuciante. Como, de fato,
diz respeito a este infante e criancinha natural, do mesmo modo, diz respeito
ao infante interior, espiritual, porque como é fechada a língua da criancinha que
não conhece ainda palavra, e a sua língua está apenas dentro da boca, não tendo
o movimento da palavra, assim também a língua interna da mente será muda de
toda palavra e de toda consideração, e somente estará e será pronta para
aprender o balbucio do discurso espiritual.”
Isto
é, trata-se, para além do silêncio, da língua carnal, do dissolver-se da língua
“interna à mente”, de modo que o íntimo infante aprenda o balbucio do “discurso
espiritual”. O itinerário através das figuras do silêncio é, também, na mesma medida, um
itinerário através das figuras do discurso: “Esses graus e medidas estão no
silêncio e no discurso”. Come devemos pensar, então, essa região do silêncio
que é, também, o discurso supremo e o “canto mais digno”?
Aquele que faz experiência
desse silêncio “espiritual” percorre toda a linguagem e todos os predicados e,
em cada um deles, faz silêncio, em cada um deles pensa, atinge o conceito e, em todo pensamento, novamente faz
silêncio, isto é, atinge o limite daquilo que é pensado segundo “uma ciência e
um saber composto”, isto é, em proposições, e pensa, no fim, “além de todo
nome”, apenas o ser, o absolutamente simples. Mas, neste ponto, quando ele faz
calar já toda a linguagem e todas as categorias, e “somente na essência se
produzem os seus movimentos” (a essência, a ousia,
é a categoria suprema), então ele “estupefaz-se”, realiza a experiência do
ser como experiência do “estupor pelo silêncio que está sobre ele”, e, nesse
estupor, o silêncio se inverte novamente em linguagem, o silêncio fala e canta, mesmo se apenas em “espírito”.
Uma carta de João de Dalyatha
exprime exemplarmente esse último nexo de silêncio e linguagem. Ela caracteriza
a razão do estupor como “o lugar cuja língua é o silêncio”:
“O lugar
cuja língua é o silêncio, através de que serão expostos os seus mistérios?... O
lugar cujo nome é estupor, também a explicação dos seus mistérios é silêncio e,
se se deve chamá-lo linguagem, este é um silêncio sem movimentos e sem
denominação”.
O lugar, em direção a que é
conduzida a viagem através dos graus e medidas do silêncio e do discurso, é,
portanto, aquele em que o próprio silêncio se faz linguagem e o estupor tem uma
voz. Mas o que é este lugar cujo silêncio
é a língua? O que se diz no
silêncio e no estupor?
4. Já a figura do silêncio
que encontramos na mística tardo-antiga e na Gnose tem as características de
uma linguagem, que profere e exprime o que a linguagem humana não pode dizer.
No Corpus Hermeticum, I, 31, o Deus,
invocado como “indizível e inexprimível” (anéchlalete,
arrete) é, todavia, “proferido com a voz do silêncio” (sioupe fonoúméné). Particularmente significativa é, nessa
perspectiva, a Sigé gnóstica, sobre
cuja função fundamental – mesmo se
puramente negativa – na gnose valentiniana e sobre cuja descendência na mística
cristã e na filosofia é oportuno refletir.
Na gnose valentiniana, o
Abismo (Bythós), incompreensível e
não gerado, que eternamente preexiste, tomou em si um pensamento (énnoia) silencioso, Sigé, e este “silêncio” é o primeiro, negativo fundamento da
revelação e do logos, a “mãe” de tudo
o que é gerado pelo Abismo. Em um denso fragmento das Excerpta ex Theodoto lemos: “O Silêncio (Sigé) – dizem os Valentinianos –, sendo mãe de todas as coisas que emanaram
do Abismo, o que não podia dizer do indizível calou, o que compreendeu,
chamou-o incompreensível (ô mèn ouch éschen
eiptein peri tou arretou sesigechen, ô dé chatélaben, touto ácharalepton
prosegóreousen)”.
O silêncio com-preende,
portanto, o Abismo como incompreensível. Sem Sigé e o seu pensamento silencioso, o Abismo não poderia nem mesmo
ser pensado como incompreensível e indizível. Enquanto abre, assim, a dimensão
arque-original do Abismo, o silêncio é o místico fundamento (negativo) de toda
possível revelação e de toda linguagem, a língua original de Deus enquanto
Abismo (em termos cristãos: a figura da demora do logos na arché, o lugar original da linguagem).
Em um código de Nag-Hammadi
(VI, 14, 10), o silêncio é, de fato, explicitamente colocado em relação com a
voz e com a linguagem na sua dimensão originária:
“Eu sou o
silêncio
inatingível
e a Epinoia
de que muito
é lembrança.
Eu sou a voz
que dá
origem a muitos sons
e o Logos
que tem
muitas imagens.
Eu sou a
pronúncia do meu nome.”
E é em um apócrifo cristão
(Mart. Petri, X) que o estatuto do silêncio como Voz, por meio da qual o
espírito se une a Cristo, é expresso do modo mais claro: “Eu te rendo graças...
não com a língua por meio da qual são proferidos o verdadeiro e o falso, nem
com o discurso que é proferido pela técnica da natureza material, mas com a voz
eu te rendo graças, ó rei, que é conhecida através do silêncio (diá siges noouméne), que não é ouvida no
visível, não é produzida através dos órgãos das boca, que não continua nos
ouvidos carnais, não é ouvida na substância perecível, que não está no mundo e
não é colocada na terra, nem escrita nos livros, nem é de alguém nem não é de
alguém; com aquele silêncio da voz te dou graças, Jesus Cristo, com o qual o
espírito em mim consegue amar-te, falar-te e ver-te”.
Uma sombra da figura da Sigé, do silêncio de Deus como fundamento
abissal da sua palavra, está presente também na teologia e na mística cristãs sucessivas
na ideia do Verbo silencioso que demora indizivelmente no intelecto do Pai (Verbum quod est in silentio paterni intellectus,
Verbum sine verbo, escreverá Eckhart). Já S. Agostinho coloca uma
correspondência entre essa demora e esse nascimento do Verbo no Pai e a
experiência de uma palavra silenciosa que não pertence a nenhuma língua:
“Verbum autem nostrum, illud quod non habet sonum nec cogitationem soni, sed
eius rei quam videndo intus dicimus, et ideo nullius linguae est; atque inde
utcumque simile est in hoc aenigmate illi Verbo Dei; quod etiam Deus est,
quoniam sic et hoc de nostra nascitur, quemadmodum et illud de scentia Patris
natum est” (De Trin., XV, 14, 24).
Um tratado russo antigo sobre
o ensinamento das letras (sobre o qual Jakobson chamou a atenção) estabelece
uma homologia entre o dúplice nascimento do Verbo divino (já o Concilio de
Constantinopla de 553 afirmava que existem dois nascimentos de Deus o Logos) e
o nascimento da palavra humana.
“E a palavra no homem é
imagem do Filho de Deus, pois o filho de Deus nasceu duas vezes; em primeiro
lugar, ele nasce do Pai por um incompreensível nascimento, como o raio de sol,
e permaneceu não conhecido no Pai; em segundo lugar, nasce sem paixão, na
realidade da carne... da puríssima Virgem, a Mãe de Deus, e foi visto por todos
na carne sobre a terra... Por amor seu e imitando o dúplice nascimento do Filho
de Deus, também a nossa palavra tem o seu duplo nascimento. Porque primeiro
nasce na alma, mediante um incompreensível nascimento, e hospeda-se não
conhecida junto à alma; e, em seguida, nascida de novo mediante um segundo
nascimento carnal, emerge dos lábios e se revela a quem escuta”.
Não há, portanto, verdadeira
oposição entre a Sigé gnóstica e o
Logos cristão, que jamais se liberou completamente dela. O silêncio é apenas o
fundamento negativo do Logos, o seu ter-lugar e o seu permanecer não conhecido
na arché que é o Pai. Essa demora
(como a da Sigé junto do Bythós) é uma demora abissal – isto é,
in-fundada – e dessa característica abissal da teologia trinitária não consegue
sair totalmente.
É a esta figura do silêncio
como experiência do lugar abissal (do “nascimento”) da linguagem que devemos
aproximar aquela que os padres sírios descrevem como “oração espiritual”.
Aquilo de que nela se faz experiência é o próprio incompreensível nascimento da
palavra, a sua demora sigética no
abismo divino. Se esse lugar – segundo a expressão de João de Dalyatha – “não é
lugar de palavras”, é porque ele não é o próprio lugar da palavra: experiência
não de linguagem, mas da linguagem e do seu ter-lugar abissal.
Por isso, o estupor não é de
modo algum uma experiência psicológica, mas, ao contrário, uma experiência
puramente lógica, e, como tal,
descrevem-na os padres. No momento em que Isaac expõe o gerar-se da teoria e do
estupor na rescisão das palavras dos lábios, ele acrescenta: “Esta, chamamos
visão durante a oração, e não uma qualquer semelhança ou forma figurada, como
dizem os tolos”. E João de Dalyatha adverte que, no estupor, somente “à
inteligência é permitido passar e ver em si a anulação de todo mistério”. Nesse
sentido, o êxtase – longe de ser, segundo a representação corrente em uma
cultura que perdeu toda consciência das próprias tradições de pensamento, uma
túrbida experiência psicológica – é, verdadeiramente, nas citadas palavras de
Hegel, experiência do “puro conceito”: o “mistério”, que aqui se apaga, é o
mistério da linguagem e do seu in-fundamento divino.
5. O que está, portanto, em
questão no silêncio e no estupor é a experiência do fundamento negativo (do
in-fundamento) da linguagem, do seu ter-lugar
no abismo de Deus. Nesse abismo, o silêncio é fundamento, mas – para
retomar as palavras da Ciência da lógica hegeliana
– é fundamento (Grund) no sentido em
que ele é o que vai ao fundo (zu Grunde
geht) para que a linguagem seja como in-fundada (grundlose). Desse ir ao fundo surge o estupor: estupor que a
linguagem, que o ser, que Deus são: in-fundados. E esse estupor só pode ser
silencioso, porque nenhuma proposição (nenhum “saber composto”) pode dizer o
ter-lugar da linguagem, a sua demora divina. (Por isso todo autêntico estupor
confina com angústia e desespero, a experiência do ser com a do nada).
Silêncio e estupor não são
patrimônio exclusivo da mística. Se lermos agora um texto que certamente
pertence à tradição da filosofia (isto é, de uma doutrina que tem desde o
início reivindicado a sua relação privilegiada com o estupor e a maravilha), é
com uma experiência não dissimile que nos encontramos confrontados:
“E agora
descreverei a experiência de maravilhar-se pela existência do mundo, dizendo: é
a experiência de ver o mundo como um milagre. Sou então tentado a dizer que a
expressão justa na língua para o milagre da existência do mundo, ainda que não seja
nenhuma proposição na língua, é a
existência da própria linguagem... transferindo a expressão do milagroso de uma
expressão por meio da linguagem à
expressão pela existência da
linguagem, disse somente, de novo, que não podemos exprimir o que queremos
exprimir, e que tudo o que dizemos sobre
o milagroso absoluto permanece privado de sentido”.
Nessas palavras de
Wittgenstein, a experiência suprema de pensamento – que faz experiência da
maravilha pela existência do mundo – é a experiência de que a linguagem seja; mas isso, portanto, que a linguagem seja,
nenhuma proposição pode dizer: ela é silêncio (ou insensatez). Também aqui, “o
lugar cuja língua é o silêncio” é a região sigética em que a linguagem tem lugar.
A uma região não diversa nos
conduzem as palavras de Heidegger (“A palavra para a palavra não se encontra em
nenhum lugar”) e a sua tese segundo a qual somente onde a linguagem “retorna ao
sem som” é que ela corresponde ao seu lugar originário.
Por isso, terminada a leitura
desses textos, na qual a experiência da mística parece acertar as contas com a
experiência da filosofia, se quisermos verdadeiramente responder à provocação
radical que eles nos propõem, isto é, se quisermos verdadeiramente nos
confrontar com eles, então talvez deveremos nos perguntar:
E
se a linguagem, mais do que ter-lugar como in-fundada no silêncio, ao
contrário, jamais tivesse tido lugar? O que seria uma palavra que tivesse sido
completamente emancipada da Sigé, que não fosse
mais nem fundada nem in-fundada no abismo de Deus? Tal palavra não permaneceria
mais em estupor e silêncio, mas não estaria nem mesmo além destes, em um lugar mais originário. Ao
contrário, jamais tendo tido lugar, ela seria a simples e habitual palavra do
homem.
Giorgio Agamben. Il silenzio del linguaggio. In.: Margaritae. Testi Siriaci sulla preghiera. Venezia: Arsenale Editrice, 1983. A cura di Paolo Bettiolo; commenti di Giorgio Agamben, Sergio Quinzio. pp. 70-79. Tradução para o português: Vinícius Nicastro Honesko. (Trata-se de um ensaio incluído como comentário à reunião de textos sobre a oração organizada por Paolo Bettiolo e Michele Bertaggia. O livro foi publicado na coleção dirigida por Massimo Cacciari na pequena Editora Arsenale em 1983, tendo uma muito exígua tiragem de 99 exemplares, hoje muito difíceis de encontrar. O ensaio de Agamben jamais foi republicado em nenhuma das suas reuniões de ensaios, tampouco reproduzido em alguma outra revista ou meio de distribuição.)
Imagem: Andrea da Firenze. Caminho da Salvação (detalhe). 1365-68. Cappella Spagnuolo, Santa Maria Novella, Firenze.