domingo, 22 de julho de 2012

Carta a Célia


Mas porque teu peito estremece com esses suspiros, e tuas luminosas faces de lágrimas são banhadas? por que distrair teu coração com tão vã ansiedade? Por que tantas vezes me perguntas quanto tempo meu amor vai durar? Desgraçadamente, minha Célia, não sei responder a esta pergunta. Acaso sei quanto tempo minha vida ainda vai durar? Mas também isto perturba teu terno coração? Acaso a imagem de nossa frágil mortalidade te está constantemente presente, para desanimar horas mais felizes e envenenar mesmo as alegrias que o amor inspira? Pensa que, se a vida é fácil e a juventude é transitória, mais motivo ainda para usar o presente momento, sem nada a perder de tão perecível existência. Apenas mais um momento, e esta não será mais. Seremos como se jamais houvéssemos sido, nem uma só recordação de nós restará à face da terra, e nem as fabulosas sombras do além nos darão guarida. Nossa estéril ansiedade, nossos vãos projetos, nossas incertas especulações, tudo será engolido e perdido. Nossas atuais dúvidas sobre a causa original de todas as coisas, jamais, infelizmente, serão dissipadas. De uma só coisa podemos estar certos - é que, se há um espírito supremo que preside a nossos destinos, deve agradar-lhe ver-nos realizar a finalidade de nosso ser, gozando daquele prazer para que fomos criados. Que esta reflexão dê repouso a teus ansiosos pensamentos, mas sem tornar tuas alegrias demasiado sérias, levando-se nelas a te fixares para sempre. Basta uma vez ter conhecido esta filosofia para dar livre curso ao amor e à alegria, e dissipar todos os escrúpulos de uma vã superstição. Mas, ao mesmo tempo que a juventude e a paixão, minha bela, satisfazem nossos ávidos desejos, é preciso encontrar assuntos mais alegres para misturar a nossas amorosas carícias.


David Hume. O Epicurista. In: Ensaios morais, políticos e literários. (Os Pensadores). São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 162.  Imagem:  "La Toilette", 1889,  Henri de Toulouse-Lautrec. 

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