Caminhava atônito, observando a luz opaca do dia castigado pelas nuvens. Pensava nas últimas linhas que acabara de ler: "O tédio é o eco em nós do tempo que se dilacera..., a revelação do vazio, o esgotamento desse delírio que sustenta - ou inventa - a vida...". E sentia, sob o céu cinzento de uma manhã de inverno, o tempo rasgando a própria pele. Não era somente o tédio, no entanto, seu motor delirante, mas também as ausências que o preenchiam. Não saberia dizer qual a relação entre o tédio e essas ausências que agora ajudavam-no a inventar - ou a sustentar - a vida. Como fantasmas, as ausências (brancas, aconchegadas em seus braços, dira Drummond) eram a insígnia do delírio, da impressão cáustica daqueles "seres" de outrora no seu agora. E sentia o tédio que não parava de ecoar e, junto dessa repetição distante da própria voz, ouvia os muito mais altos sussurros das ausências, das vozes sem emissor, do puro eco do tempo, da pura decadência da vida pelos umbrais da memória. Pensou então em Cortázar e em como as ausências eram as recordações soltas pela casa, que agora vinham e ecoavam como tédio dizendo-lhe: "No vayas a lastimarte"...
Imagem: Edvard Munch. Separação. 1896. Munch Museum, Oslo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário