Da decisão sobre escrever uma carta não há voltas e, assim, o mundo, este palimpsesto amarelado de mapas do destino sem volta das palavras, é despejado em minhas mãos. Talvez, mesmo este parágrafo obtuso não seja mais do que uma carta endereçada a alguém que nunca o lerá. Todas as palavras são um desperdício quando escritas, mas, ao mesmo tempo, são também a única possibilidade de vida que nos resta, o meio angustiante de tentar cartografar os passos pela existência. As gotas de tinta que outrora manchavam minhas mãos a cada folha preenchida, agora penetram minha carne, invadem meu sangue e deglutem minhas esperanças e suspiros de ler as respostas que nunca tive e tampouco terei. Com a carta à metade, sinto o mundo se esvaindo a cada nova palavra, como quando leio alguns poemas hipnóticos que me perturbam o dia. E a tinta continua a invadir-me com fúria, e agora rompe minhas entranhas e me coloca em êxtase diante do impossível: dizer a quem quer que seja, ou que não seja, meu desejo de dizer. Nenhuma carta jamais o dirá e, talvez por isso, todas até agora escritas já o disseram...
Imagem: Albrecht Dürer. Erasmo de Roterdã. 1526. National Gallery of Art, Washington.