“Em maio de 1921, escrevi um soneto que Ludwig Winder publicou no suplemento dominical da Boêmia.
Kafka disse-me na ocasião: “O senhor descreve o poeta como um ser de estatura prodigiosa, cujos pés estão na terra, enquanto a cabeça desaparece nas nuvens. É naturalmente uma imagem bem habitual no âmbito das representações convencionais da pequena burguesia. É uma ilusão, oriunda de desejos ocultos, que nada tem com a realidade. O poeta sempre é na realidade muito menor e mais fraco que a média da sociedade. Por isso sente o peso da existência terrestre com muito mais intensidade e força que os outros homens. Para ele, pessoalmente, cantar não passa de um modo de gritar. Para o artista a arte é um sofrimento, com a qual ele se libera para um novo sofrimento. Ele não é um gigante, porém um pássaro mais ou menos multicor na gaiola da existência.
- O senhor também? – perguntei eu.
- Sou um pássaro completamente impossível – disse Franz Kafka. – Sou uma chuca – um Kavka. O carvoeiro do Teinhof tem uma. O senhor já viu?
- Sim, ela fica correndo na frente da loja dele.
- Pois é, minha parenta tem mais sorte que eu. É bem verdade que lhe cortaram as asas. No meu caso, em compensação, isso nem foi preciso, pois minhas asas se atrofiaram. Esse é o motivo por que para mim não existem alturas nem distâncias. Desamparado, vou saltitando entre os homens. Eles me observam com grande desconfiança. Pois, afinal, sou um pássaro perigoso, um gatuno, uma chuca. Mas é só aparência. Na verdade não tenho percepção alguma das coisas que brilham. Essa é a razão pela qual nem sequer tenho penas pretas e brilhantes. Tenho a cor da cinza. Uma chuca que sonha desaparecer entre as pedras. Mas é só uma brincadeira, para o senhor perceber que hoje não estou bom”.
Kafka disse-me na ocasião: “O senhor descreve o poeta como um ser de estatura prodigiosa, cujos pés estão na terra, enquanto a cabeça desaparece nas nuvens. É naturalmente uma imagem bem habitual no âmbito das representações convencionais da pequena burguesia. É uma ilusão, oriunda de desejos ocultos, que nada tem com a realidade. O poeta sempre é na realidade muito menor e mais fraco que a média da sociedade. Por isso sente o peso da existência terrestre com muito mais intensidade e força que os outros homens. Para ele, pessoalmente, cantar não passa de um modo de gritar. Para o artista a arte é um sofrimento, com a qual ele se libera para um novo sofrimento. Ele não é um gigante, porém um pássaro mais ou menos multicor na gaiola da existência.
- O senhor também? – perguntei eu.
- Sou um pássaro completamente impossível – disse Franz Kafka. – Sou uma chuca – um Kavka. O carvoeiro do Teinhof tem uma. O senhor já viu?
- Sim, ela fica correndo na frente da loja dele.
- Pois é, minha parenta tem mais sorte que eu. É bem verdade que lhe cortaram as asas. No meu caso, em compensação, isso nem foi preciso, pois minhas asas se atrofiaram. Esse é o motivo por que para mim não existem alturas nem distâncias. Desamparado, vou saltitando entre os homens. Eles me observam com grande desconfiança. Pois, afinal, sou um pássaro perigoso, um gatuno, uma chuca. Mas é só aparência. Na verdade não tenho percepção alguma das coisas que brilham. Essa é a razão pela qual nem sequer tenho penas pretas e brilhantes. Tenho a cor da cinza. Uma chuca que sonha desaparecer entre as pedras. Mas é só uma brincadeira, para o senhor perceber que hoje não estou bom”.
Gustav Janouch (Conversations avec Kafka), enxerto citado por R. Barthes em dos seminário sobre “O Neutro” ministrados no Collège de France entre 1977 e 78. (O Neutro. Anotações de aulas e seminários ministrados no Collège de France, 1977/1978. Texto estabelecido por Thomas Clerc. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo : Martins Fontes, 2003. PP. 266-267).
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