sexta-feira, 24 de abril de 2009

Entre as cebolas...

Cildo Meireles, Desvio para o vermelho


Amigo,
Iria responder com choro às cebolas descascadas.
O lance expatriado da vida lançada às chamas do tempo operativo.
O termo inquisitivo de nossos pensamentos; sim, pungentes, però non troppo...
Não nos bastam as angústias? Amargamos, com a boca cheia de fel, a provável alegria da vida.
É, talvez não nos reste muito; é bom que seja assim... 
o momento, um único e relapso instante de ternura, nas nossas fatídicas rotinas.
A vida desbanca, engana e se apaga; se apaga.
A esperança de sentido último elide nosso momento.
Vida, vida sentida, vida leve; talvez o choro irrefreável e inesperado dos compostos sulfurosos da cebola.
Vida, vida vazia, que com seu odor de enxofre, talvez seja só o que é; sem rancores ônticos-ontológicos; sem expectativas...
Aliás, pura expectativa: a espera pelo momento primordial, pelo momento em que o sentido vai aparecer... conversa fiada!
É, acho que é nessa espera, ou talvez numa conversa fiada, que nós, que talvez não mais aguardamos nada além do aguardar é que devemos nos lançar. 
A vida começa e termina numa espera, nada mais que isso. Isso, talvez isso, seja o modo de suportarmos nossa presença insolente aqui, onde os corpos não são gloriosos; suportamos essa melancolia sem sentido da vida justamente porque nos são dados os momentos de espera. Não a espera por algo, mas a espera pela espera... restos de tempo, restos da outra-vida, essa sim que vida não é... acho que é nesse meio-tempo, em algum desvio, entre uma cebola e outra...  
abril/2009

Um comentário:

marginário disse...

Vin, talvez ainda não tenhamos levado a sério a provocação do demônio nietzscheano do eterno-retorno: a resposta, ainda, é um retumbante "não!". (E lhe devo um texto "pósfácico" que já está proliferado por salmonelas na despensa de meu torpor mental, o que era pra ser sobremesa pode causar uma disenteria).

ps. Seu texto sobre G. A. e W. B. é decisivo. As ressonâncias (de angústias) são um grande estímulo. Um grande abraço, jnf