Olho para rostos de morte delicadamente maquiados com os traços do tempo. Velhas rugas que parecem ainda carregar o grito de dores passadas revelam-me o insustentável e intransponível carregado por todo corpo vivo: a morte, senhorio do ser. Ela se insinua pelo desenho de todos esses rostos e não me deixa paz, não me deixa a paz. E por que os latinos pensaram o requiescat in pace como epitáfio? Por que a paz associa-se àquilo que nos aflige dia após dia? Por que a morte como descanso se ela é que nos trabalha a vida? E essas milhares de mortes que percorrem nossos corpos todos os dias voraz e docemente nos lançam às sombras das cores da vida, sorrateiras como nossas indelicadezas diante da banalidade da existência. Deixamo-nos guiar pela cegueira da marcha de chronos; deitamo-nos nus sob os refletores ofuscantes do insustentável senhorio da morte. Godard certa vez disse que Van Gogh teria inventado o amarelo quando queria pintar e já não havia sol. Insustentável é nossa condenação à existência, já que um dia ela se deixa dominar por esse vazio maquiado de tempo e, nesse caminho inexorável, só nos resta a tarefa de todos os dias começar a inventar um novo amarelo...
Imagem: Vincent Van Gogh. Oliveiras com céu amarelo e o sol. 1889. The Minneapolis Institute of Arts, Minneapolis.
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