Foi como um detalhe perdido por um lance de olhar. O dia se foi, a luz deixou seus últimos rastros em alguém perdido no passado, os cantos dos pássaros anunciavam que mais uma lembrança se esvaia junto com o lance de olhar. Por que perguntar por memórias de centelhas divinas quando a vida é esquecimento? Galopando em sonhos torneados pelas mãos da moça que me guiavam por estas ruas esquivas, não sobram noites para fechar os dias. Talvez só um desejo de dizer o que se perde junto com o olhar: as manhãs de domingo que outrora eram povoadas com perfumes de ervas, e os passeios vazios por catedrais góticas, e as viúvas que plantam árvores a seus mortos, e as crianças deglutidas por máquinas, e os mortos que boiam nas águas do meio, e as tragédias cotidianas dos habitantes de minha terra, e o sulfuroso ódio que irrompe em conversas banais, e todas as palavras do mundo devoradas pelas línguas que jamais as podem dizer, e os sonhos que passam no galope do lance do olhar, e o dia que se deita junto aos rastros de alguém perdido no passado, e os pássaros agora silenciosos em árvores desfolhadas. Quem rabiscou deus no pé da página de um caderno perdido? O dia corre para o silêncio da noite e do esquecimento, e insisto em tentar sacar uma centelha de desejo, mas tudo está perdido por aquele fugaz lance de olhar.
Imagem: Paul Gauguin. Parau Hanohano. 1892. Fogg Art Museum, Harvard University, Cambridge.
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