Ausências eram recordações soltas pela casa... e talvez isso que do Cortázar estava já há muito no campo dos esquecidos tenha aparecido com a canção dos mortos. Araucárias, grilos e cigarras arrancam às vozes soltas pelo vento suas verdades nuas: são muito mais os mortos que os vivos. E mesmo a lástima de trombar em silêncio com essas recordações já não diz nada a não ser: são muito mais os mortos que os vivos. God is in the radio, dizia-me uma outra voz. Nenhum espaço pode ser comum se as ausências são detentoras de nosso silêncio. Com elas, que já andam soltas desde há muito, pensei que havia esquecido os diários de Alejandra Pizarnik que tanto gostaria de ter lido nos dias de espectro: "A veces necesito ausentarme"... ausentar-se para estar tão em si mesma para que o prazer dessa abstração seja o da evasão, poderia ter ela me dito embaixo de uma dessas araucárias. E talvez o Cortázar que há pouco surgira do esquecido seja o que escrevia para Pizarnik. Ou não. Decerto era Pizarnik escrevendo a Cortázar? Excessos. "Me excedí, supongo. Y he perdido, viejo amigo de tu vieja Alejandra que tiene miedo de todo salvo (ahora, ¡Oh, Julio!) de la locura y de la muerte." Nem da loucura nem da morte, velha amiga Alejandra. Você mesma disse que a vida é uma espécie de complô, não? E, agora, são muito mais os mortos que os vivos. Eles não dizem nada mas me ensurdecem. Deito em um tempo de excessos também eu, Pizarnik, mas não sei se me evado. Já não há distâncias entre os delírios calmos de uma manhã e aqueles criados por paraísos artificiais. E mais uma vez alguém me grita que God is in the radio. E me pergunto: mas poderia escrever a quem quer que seja? Poderia pensar todas as cartas que já escrevi como mapas de lugares onde dificilmente podemos chegar sozinhos? E como voltar desse lapso em que me esqueço de que há muito mais mortos que vivos?
Imagem: Paul Gauguin. Visão depois do sermão (Jacob Wrestling com o Anjo). 1888. National Gallery of Scotland, Edinburgh.
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