sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Impossibilidade absoluta de conformar-se


Eu escrevo na impossibilidade absoluta de conformar-me. A maioria dos que você chama de "mandarins bem-pensantes da cultura" não passa de um bando de galinhas assustadas. Eles tentam fazer pressão sobre minhas assumidas irregularidades de comportamento, como forma de me enquadrar. Se eu me enquadrasse, eu ganharia página inteira na imprensa conformista. Eles gostariam que eu calasse sobre tudo, mas eu não me calo sobre nada. Para essa canalha, o meu pecado é eu ser poeta & intelectual na total insubordinação. Roberto Piva. Antropofagia e outros escritos. São Paulo: Córrego, 2016. p. 10.  


Os mandarins execrados por Piva disseminaram-se como hordas por todos os cantos do país. Um tempo em que a própria direita-escrota adota triunfante um estilo descolado. Como continuar um professor da classe rica branca e fadada ao mandarinato tecnocrático em meio ao golpe, à miséria econômica, política e intelectual que veio à tona num país de canalhas empoderados? É preciso escrever e lutar e cuidar das rotas de fuga. Na insubordinação total. É preciso matar temer e mendes que coabitam parasitariamente em nossa psiquê. No servilismo diário ao troco de vinténs, smartquinquilharias e subaposentadorias. No calar-se nosso de cada dia. No culto aos heróis paulistanos & cariocas e suas formas-de-vida condominiais. A esquerda acadêmico-safatleana não salvará nem a si mesma. Ir ao interior do interior do interior. Brigar em bares sujos. Cuidar de suas armas, amar e criar. Milhares e milhares de quilombos. Não se negocia com escravocratas! Era improvável que permanecessem tanto tempo nessa região inóspita e estéril, sem nada além de suas próprias forças e entusiasmo. Mas era sua única e real rota de escape. Continuar apenas pela impossibilidade absoluta de conformar-se. O Brasil é mais vasto que suas misérias e representações.   


imagem: guerreiras amazonas, Jean Cousin (1522-1595). 

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