sábado, 25 de dezembro de 2010

Excertos de moral epicurista


"O desejo parece tender para um limiar (o prazer) que ele alcança somente para decair em seguida e renascer. Mas não é o prazer que é somente uma aparência, é o desejo. O prazer não é o fim do desejo; ele é o efeito da necessidade quando se a satisfaz."
"Assim como os desejos ganham sua significação a partir das necessidades, também a vida se absorve na realidade do prazer (já que viver é sentir e que sentir de modo conforme à natureza é gostar do prazer); nós não temos necessidade de vida, mas necessidade de prazer. Uma vez que nos movemos no mito e que finalmente o desejo (e seu oposto, o medo, que com ele faz um, já que desejar é medo de não obter o que se deseja) junta-se à própria vida; a vida torna-se assim o último desejo, o fundamento dos outros, e, portanto, o medo de perdê-la, o fundamento dos outros medos. Como o desejo é uma necessidade imaginária, pode-se desejar qualquer coisa, acontece, por fim, que se termina por desejar a morte, enlouquecida por um destino que se opõe aos nossos outros desejos. A morte, no entanto, não deve ser um objeto de desejo, mas a garantia de um prazer puro, pois não somos forçados a viver, e temos sempre o meio de morrer."
"Se uma contínua renovação das excitações parece necessária para sentir, é por causa de nossa 'grosseria de alma'."
"A moral epicurista não consiste em desviar a alma do corpo. É preciso aumentar a sensibilidade da alma e não torná-la indiferente e solitária. Somente assim pode-se diminuir a importância da excitação. Palavra 11: 'Na maior parte dos homens a calma é letargia e a emoção furor'. Essa letargia não tem nada a ver com os estados calmos e esse furor é completamente diferente do prazer em movimento. São estados de desejo, não de prazer: a fúria que dorme e a fúria que vela.
Os prazeres não podem se acumular, diz Epicuro. Uma vida objetivamente lenta no uso dos prazeres pode ser uma vida espiritualmente aumentada no seu sentimento. Epicuro diz que não se pode forçar a natureza, mas que é preciso persuadi-la. Os estados calmos são apenas um movimento alegre que se tornou lento e floresceu-nos a alma. Eles são uma espécie de prazer em movimento, mas pacificados, um prazer bebido lentamente e saboreado com bondade e inteligência, um prazer alongado. 'Não é preciso intensificar o mundo'; essas palavras do hindu Vivekananda traduzem muito bem o espírito da moral epicurista. Intensificar o mundo é fazer com que nosso prazer dependa demasiadamente da excitação; é esquecer que nossa liberdade consiste num certo poder, não de nos separar de nossos prazeres, mas de controlá-los e de retardá-los o uso. O prazer em movimento é portanto necessário; absolutamente, não é para se desdenhar. Sem ele nós não acordaríamos para a vida feliz. O despertar para o prazer é, no entanto, uma só coisa com o despertar da sensibilidade, aquele da alma e do corpo."

FALLOT, Jean. Le Plaisir e la Mort dans la Philosophie d'Épicure. Paris: René Julliard, 1951. pp. 28-42. Tradução livre: Vinícius Nicastro Honesko.

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