quarta-feira, 20 de junho de 2012

Looking at Tazieh: a epopeia e a intimidade



Ausente da exposição em suas versões precedentes, a instalação Looking at Tazieh, de Abbas Kiarostami, já foi apresentada em outras circunstâncias, notadamente em Bruxelas, em maio de 2004, quando a filósofa Marie-José Mondzain a descobriu. Ela explicita aqui seu sentido e suas apostas.

O Tazieh é uma forma teatral única no mundo muçulmano, no qual a desconfiança em relação à representação se conhece. Esse drama histórico, em que a representação ritual reúne a cada ano todos os iranianos, celebra a morte violenta da Imã Hosein, neto do profeta morto durante a batalha de Kerbala no ano de 61 da hégira (680). Esse evento marca, na história do Islam, o ponto de ruptura entre os xiitas e os sunitas, ruptura esta que sempre, ainda hoje, inscreve-se na história das guerras e das violências que racham o Oriente Médio. Que lugar tem em minha memória, assim como em minha vida presente, um drama inscrito numa cultura que me é inteiramente estranha e, ainda mais, que é apresentado numa língua para mim desconhecida?
A resposta não está na palavra Tazieh, mas nas expressão Looking at. Sentada com uma centena de pessoas em um dos colchões de espuma livremente colocados no chão em uma sala de dimensões impressionantes, tenho diante de mim, à altura dos olhos, uma tela de televisão colocada sobre um pequeno suporte. Alguns metros atrás dela, duas telas gigantes, retangulares, estão instaladas como imensos estandartes. Repentinamente mergulhados na penumbra, vimos se acender os três focos dispostos aos olhares. Na televisão assistimos à projeção documental de um espetáculo de Tazieh, filmado no Irã. Uma imensa arena cercada de tribunas que não vemos e, nessa arena, uma massa de atores antagonistas, combatentes, uns vestidos de vermelho outros de verde, afrontam-se a pé ou a cavalo, declamam textos e encarnam essa memória épica e religiosa. Projeção em cores de uma grande narração sem legendas nem o menor efeito estético. Nada é feito para produzir qualquer artificiosa conveniência. Uma espécie de material bruto, sem dúvida cheio de significações para a memória iraniana, mas para nós um fluxo colorido e sonoro que podia tanto aborrecer quanto suscitar uma curiosidade etnográfica. Ora, é exatamente o contrário do objetivo dessa instalação.
Enquanto o Tazieh se desenrola de acordo com a tradição na televisão, nas telas laterais são projetados dois outros documentos. Kiarostami filmou, à nossa esquerda, a chegada das espectadoras iranianas e, à nossa direita, a chegada dos espectadores iranianos. Todos vestidos de preto. A separação das telas inscreve de pronto uma realidade social na qual os sexos não partilham o mesmo espaço na vida pública. Elas chegam taciturnas, sob seus véus, tendo nos braços ou puxando pela mão suas crianças. Posicionam-se próximas umas das outras nos bancos que rodeiam o invisível campo de batalha. À nossa direita, a outra metade do mundo, a dos homens que vêm se sentar com o mínimo de incômodo possível. Nós olhamos seus olhares dirigidos para uma cena invisível na qual acontece o que nos mostra a televisão. Eles conhecem em todos os mínimos detalhes a narração e seu resultado. É sua história, inscrita em sua carne histórica e presente. Nossos olhos vão sem cessar de uma tela à outra, descrevendo um percurso triangular entre espaços tão diferenciados quanto distantes. Tudo aqui é apenas separação, uma acumulação de lacunas intransponíveis. E é justamente essa acumulação que Kiarostami toma como tarefa, para regular as operações de ligação.
Ele não se preocupa somente com o que separa os iranianos entre si e com o que os religa por meio da história, ele se preocupa, do mesmo modo, com o que nos separa desse mundo. Ele faz surgir do nada uma proximidade que tudo tornava improvável, até mesmo impossível. Assistir a um espetáculo é sempre partilhar uma proximidade para se colocar à prova de uma partilha. Partindo de um real irredutível, o da diferença dos sexos, das línguas, das culturas, das memórias, e isso numa temporalidade diferida, como Kiarostami chega a inverter o regime das descontinuidades e dos desligamentos? Ao longo da representação, uma espécie de construção do olhar se organiza entre os três lugares: quanto mais o tempo passa, mais os eventos da batalha nos aproximam do instante fatal do luto, mais a tensão cresce nos corpos filmados dos espectadores. As mulheres se cobrem para escapar à visão de uma catástrofe, os corpos tremem, curvam-se e desaparecem sob as dobras tenebrosas dos chadores transformados em véus para todas as tristezas. Do outro lado, os homens perdem pouco a pouco seu sangue frio e, privados do abrigo pudico de um véu, não seguram nem sua coléra nem seus soluços. Na sala bruxelense, o silêncio era completo, as trevas da sala nos cobriram, por sua vez, com a sombra negra do luto partilhado. Cada um, no chão, reencontrava a figura íntima de seus lutos.
"Ver o Tazieh" foi para a maioria, naquele dia, a experiência do que pode significar em francês o verbo assister. Estar presente numa proximidade imaginária com o outro, no que há de mais distante e, na verdade, mais próximo. Quem, depois de ter assistido a essa "performance", poderia ainda falar em fratura entre as culturas? A cultura aparece aqui como o que, com respeito às lacunas, produz uma relação de reconhecimento universal entre os sujeitos. A emoção não é um solo imaginário ou natural que faria fundir aquilo que tudo separa, mas, ao contrário, ela é a figura íntima do que se joga no núcleo dos gestos de arte: a universalidade de uma condição partilhada na comunidade criada pelo espetáculo.

Marie-José Mondzain. Looking at Tazieh: l'épopée et l'intimité. In.: Cahiers du Cinéma/ Septembre, 2007. pp. 18-19. (Trad.: Vinícius Nicastro Honesko)

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