A M.M.
E como fazer para não sentir a dor da lucidez? Quando árvores cantam o que sobrou de Mozart, regidas pelas baquetas dos ventos que sopram do sul, é por que já não há senão reflexos de morte na luz da consciência. E a revelação, tão esperada maneira de se ver o negativo (os estúdios fotográficos são as metáforas práticas do bailar meditativo do místico), não me abre as portas da cura para a dor, pois não há unguento que aplaque ou apague esses reflexos. Cantem, árvores! Cantem! Mostrem-me que aquele Requiem fora terminado antes que no gênio vienense tivesse se apagado a dor da existência. E, insisto, como um verme que corrói as bordas da vida: como não sentir da dor da lucidez?! Não me restam saídas; tampouco as procuro. Fico aqui, parado, e como o Atlas suporta terra, céus e suas imagens, também suporto o facho de luz que, na escuridão desta caverna chamada mundo, chega-me como única forma de desesperança, talvez como o único modo de viver. Luz obscena e arredia, luz que nada ilumina e que, talvez por isso, seja o que me faz esquecer. Assim, desfazendo a desfaçatez da ingenuidade memorial, percebo que essa luz sou eu mesmo que carrego, nesta tocha também acesa por mim, não por Prometeu. Revelar, agora, só quer me dizer velar novamente. Nada me ilumina, nem mesmo a luz; tudo está recoberto nesta caverna que agora só ecoa o canto das árvores; e onde tudo é eco, tudo é nada. E a pergunta continua; e já quase não consigo enunciá-la; e minha vertigem matinal insiste, agora também ela regida pelas baquetas dos ventos do sul: como não sentir a dor da lucidez?
Imagem: Rogier van der Weyden. Político do Último Julgamento (detalhe) 1446-1452. Musée de L'Hôtel Dieu, Beaune.
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