As palavras não nos abandonam. Voltam-se para nós como canhões carregados e prontos para lançar sua onda de destruição. Elas, as palavras, aparecem como em sonhos, em acessos que nos tomam sem que possamos delas tomar posse. Vazias, como alforjes, nos aprisionam num regime impossível, num plano de espectros em que memórias e expectativas não são mais do que nosso reflexo arredio num espelho convexo qualquer. Deturpamo-nos e elas, nossos vazios mais plenos de sentido, acabam por nos deglutir sem nenhuma piedade. Embebidos de palavras soltamos nossos corpos nas impossíveis formas que criamos com os vazios. Nada, nada resta dos empreendimentos do homem. E a certeira mira nos alvos da imortalidade faz-se vaidade, vanidade. Às faces vazias, contornos suaves; aos contornos suaves, palavras vazias, e não há retorno. Abandonados à sorte das palavras, aos nomes que nomeiam sem piedade, vemos vir a próxima onda a apagar nossos reles traços, nossa tola história...
Imagem: Livro das horas, 1290. Stadtbibliothek, Nuremberg.
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