segunda-feira, 8 de junho de 2015

Estudo sobre a memória X


A vida esgarça as dobras do tempo e, nessa obra sem arte nem autor, me coloca nu diante do obscuro tribunal da memória. A manhã levanta-se como as vozes que insistem em recorrer os labirintos de minhas lembranças. "Não há amor em nosso desamor, querida?"; "Quantas vezes terei de te esquecer?" Quanto de palavras há em cada silêncio? Quanto de tempo é possível esculpir sem que se percam nas tramas da vida - que tudo devora - suas estátuas feitas juízes? Tento, ainda nu, me evadir da doença mais ou menos grave, mais ou menos incurável que nos transforma os ressentimentos. Que tribunal seria capaz de me julgar? Quanto de alegria não há no desdobrar de cada volta nesse eterno retorno do mesmo? Um cavalo passa por mim e sorri. Tento me compor, mas é tempo de devaneios e sombras. Perdido nos séculos que, como grande ilusão, insistem os homens em chamar de história, não me resta senão deixar vibrar essa fragilidade intempestiva a que damos nome de vida.

Imagem: Francisco de Goya y Lucientes. Uma absurdidade oportuna da rainha do circo. 1816-23. 

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