A presença: pura fragilidade, um desenho obliterado da mesa e algum deus aborrecido. Nossa presença é somente o sorrateiro rapto das imagens da presença do trabalho divino. "Os deuses morreram, mas morreram de rir ouvindo um deus dizer que era o único". Todo relato que intente dizer nossa presença tem que lidar com esse riso dos deuses. Não há retorno - nem mesmo como lembrança - de algo como nossa outrora forma forte, como se alguma vez nosso desenho tivesse sido terminado e emoldurado pelo deus que, então, pretendia dizer-se único. Aborrecidos estamos todos na fragilidade e, ao nos depararmos com o já-não-mais de uma estela mortuária, podemos perceber com agudeza o sem sentido da presença. "Esteve presente entre nós...": a fórmula já não diz nada da presença, é o puro vazio do relato, a forma pura da memória que, como as estrelas e tudo o mais que nos circunda, há de dar passagem (e a todo instante não cessa de fazê-lo) para algo (que seja este algo o nada) do qual não temos a menor ideia. A presença que somos para os outros animais também nos aponta a fragilidade de nossa "grandeza": não os entendemos e, com isso, alçamo-nos às alturas do "único" que pode tal ou qual coisa, que pode se dar ao luxo patético de pretender ser o único que sabe que os outros não sabem. No entanto, talvez presença seja uma questão da ignorância. E não de qualquer ignorância, mas, sim, daquela que nos é fundamental: não damos conta do fato de estarmos aqui (ou aí, ou lançados, whatever...) e toda forma fajuta de compensar essa ignorância é, talvez, apenas uma das possíveis ficções (qualquer que seja o sentido para isso) para tentar dar uma ordem ao caos da presença. Somos um presente que escapou do tal deus aborrecido. Talvez um presente furtado por um outro deus sorrateiro, que ri como um louco dos novos rabiscos que, auxiliado por alguns de nós, o aborrecido insiste em fazer...
Imagem: Paul Gauguin. Mulher aborrecida ou o silêncio. 1891. Worchester Art Museum, Worchester.
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