Ao que parece, ainda que eu tenha declarado expressamente que não pretendia assinar o apelo sobre o ius soli, meu nome de alguma forma foi nele inserido de modo ilegítimo. As razões de minha recusa obviamente não dizem respeito ao problema social e econômico da condição dos imigrantes, face ao qual compreendo toda importância e urgência, mas à própria ideia de cidadania. Estamos tão habituados a dar por certa a existência desse dispositivo que nem mesmo nos interrogamos sobre sua origem e significado. Parece-nos óbvio que cada ser humano, no momento de seu nascimento, deva ser inserido em um ordenamento estatal e, desse modo, encontrar-se sujeitado às leis e ao sistema político de um Estado que não escolheu e do qual não pode mais se desvincular. Aqui não é o caso de traçar uma história desse instituto, que atingiu a forma que nos é familiar apenas com os Estados modernos. Tais Estados chamam-se também Estados-Nação porque fazem do nascimento o princípio da inscrição dos seres humanos em seu interior. Não importa qual seja o critério processual dessa inscrição, o nascimento de genitores já cidadãos (ius sanguinis) ou o lugar do nascimento (ius soli). O resultado é, em todo caso, o mesmo: um ser humano se encontra necessariamente sujeito de uma ordem jurídico-política, qualquer que seja ela naquele momento – a Alemanha nazista ou a República Italiana, a Espanha falangista ou os Estados Unidos da América –, e deverá, de tal momento em diante, respeitar as leis e receber os direitos e obrigações correspondentes desse Estado.
Estou perfeitamente ciente de que a condição de apátrida ou imigrante é um problema que não pode ser evitado, mas não estou seguro de que a cidadania seja a melhor solução. Em todo caso, a meu ver, ela não pode ser algo de que se orgulhar e um bem a ser partilhado. Se fosse possível (mas não o é), assinaria com prazer um apelo que convidasse a abjurar a própria cidadania. Segundo as palavras do poeta: "a pátria será quando todos seremos estrangeiros”.
18 de outubro de 2017.
Disponível em: https://www.quodlibet.it/giorgio-agamben-perch-on-ho-firmato-l-appello-sullo-ius-soli (Trad.: Vinícius N. Honesko)
Imagem: Filme Fuocammare, direção: Gianfranco Rosi (2016)
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