terça-feira, 14 de agosto de 2007

HERÁCLITO


O segundo crepúsculo.
A noite que mergulha no sono.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo.
A manhã que foi a aurora.
O dia que foi a manhã.
O dia numeroso que será a tarde desgastada.
O segundo crepúsculo.
Esse outro hábito do tempo, a noite.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo...
A aurora sigilosa e na aurora
a inquietude do grego.
Que trama é esta, do será, do é e do foi?
Que rio é este
Pelo qual flui o Ganges?
Que rio é este cuja fonte é inconcebível?
Que rio é este
que arrasta mitologias e espadas?
É inútil que durma.
Corre no sono, no deserto, num porão.
O rio me arrebata e sou esse rio.
De matéria perecível fui feito, de misterioso tempo.
Talvez o manancial esteja em mim.
Talvez de minha sombra,
fatais e ilusórios, surjam os dias.


Heráclito. Jorge Luis Borges “Elogio da sombra

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