sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Modernidade...


As sociedades modernas repugnam-me duplamente. Por um lado, converteram os homens – uma espécie na qual cada indivíduo, segundo todas as filosofias e religiões, é um ser único – numa massa homogênea; os modernos parecem todos saídos de uma fábrica e não de uma matriz. Por outro, fizeram um solitário de cada um desses seres. As democracias capitalistas não criaram a igualdade, mas a uniformidade, e substituíram a fraternidade pela luta permanente entre os indivíduos. Escandaliza-nos o cinismo dos imperadores romanos que davam ao povo ‘pão e circo’, mas o que é que fazem hoje a televisão e os chamados ‘ministérios de cultura’? Acreditava-se que, à medida que se ampliasse a esfera privada e o indivíduo tivesse mais tempo livre para si, aumentaria o culto às artes, à leitura e à meditação. Hoje percebemos que o homem não sabe o que fazer de seu tempo; converteu-se em escravo de diversões geralmente estúpidas, e as horas que não dedica ao lucro, ele as consagra a um hedonismo fácil. Não reprovo o culto ao prazer; lamento a vulgaridade geral. Lembro os males do individualismo contemporâneo não para defender a instituição das castas, mas para atenuar um pouco o hipócrita escândalo que ela provoca entre nossos contemporâneos. Além disso, meu propósito não é justificar as castas, mas dar uma idéia do que são realmente. De minha parte, se pudesse, de bom grado as mudaria radicalmente. A existência dos intocáveis me parece ignominiosa. Porém as castas deveriam desaparecer não para que suas vítimas se transformem em servidores do deus voraz do individualismo, mas para que, entre elas e nós, descubramos a fraternidade.

(PAZ, Octávio. Vislumbres da Índia. Um diálogo com a condição humana. São Paulo: Ed. Mandarim, 1996.

Nenhum comentário: