segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Asja Lacis





Brecht 'retém' o melhor da teoria literária soviética dos anos 20 (em especial Tiniánov, Tretiakov, Brik) e é o único que lhe dá seguimento nos anos duros da dec. de 30, em que impera o realismo socialista. Daí a polêmica entre Brecht e Lukács não ser, na realidade, senão uma crítica condensada da luta entre duas tradições centrais da crítica maxista. Os escritos sobre literatura de Brecht devem ser lidos no âmbito da teoria literária inaugurada por Tiniánov e desenvolvida por Bakhtin, Mukaróvski e Walter Benjamin.

Em 1923, em Berlim, Brecht conhece a diretora teatral soviética Asja Lacis, e é ela que o põe em contato com as teorias e experiências da vanguarda soviética. Por intermédio de Asja Lacis, Brecht conhece a teoria da 'ostranenie' elaborada pelos formalistas russos e por ele traduzida como efeito de estranhamento, ou simplesmente efeito v. É notável o deslocamento operado por Brecht para mostrar a origem russa de sua teoria do distanciamento. Afirma que sua descoberta se dá em 1926, graças a Asja Lacis. A atriz, que tem um papel na adaptação feita por Brecht de 'Eduardo II' de Marlowe, pronuncia o alemão com um marcado sotaque russo, e ouvi-la recitar o texto produz um efeito de desnaturalização que contribui para que ela desvende um estilo e uma escrita literária baseados no desnudamento dos procedimentos. Nesta inflexão russa que persiste na língua alemã está, deslocada como num sonho, a história da relação entre a 'ostranenie' e o efeito de estranhamento.




Algum dia seria preciso escrever um texto sobre Asja Lacis. Colaboradora de Meyerhold e de Eisenstein, próxima do grupo de Maiakóvski, é a amante de Walter Benjamin, e por intermédio dela Brecht e Benjamin se conhecem. Em fim dos anos 30, Asja Lacis desaparece num campo de concentração stalinista. 'Asja Lacis já não me escreve', registra Brecht em seu diário de janeiro de 1939. Pode-se ainda apreciar a altiva e belíssima figura de Asja Lacis eternizada numa sequência de 'A ópera dos três vinténs', filmada por Pabst em 1931.






In: Ricardo Piglia. Formas breves. Trad. José Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. pp. 77-76.

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