Alain Badiou
Uma
magnífica peça de Jean Genet, “Le Balcon” [A Sacada], confronta o reino das
imagens e o real da revolta. Começamos num bordel, um lugar fechado consagrado
de modo integral às fantasias. Genet vê
perfeitamente que aquilo que prova a ferocidade escondida do poder
contemporâneo é a proliferação da obscenidade das imagens. Fora, entretanto, os
motins da classe trabalhadora continuam, como continua, hoje, fora do bordel
ocidental, nos trabalhadores das minas da África do Sul, nas milhares de
revoltas operárias na China, ou, ainda, no momento do nascimento da “primavera
árabe”. Mas também nas residências onde, entre nós, amontoam-se os
trabalhadores vindos da África.
A
questão profunda do “Balcon” que se coloca à incerta insurreição é então a
seguinte: a emancipação política pode se subtrair às imagens? A dificuldade é
que o poder nu, que se esconde atrás da sutil plasticidade e da sedutora
obscenidade das imagens do mundo democrático e do mercado, não tem imagem: ele
é uma realidade nua, aquela do Estado que, longe de procurar nos livrar das
imagens, a estas garante sua potência.
O bordel das imagens
O
personagem da peça de Genet que traz à cena essa potência sem imagem da imagem
é, de modo demasiado normal, o chefe de polícia. Ele é o emblema do poder nu,
pois ele é o “deixado à sorte” [laissé-pour-compte]
das imagens. Ninguém deseja o chefe da polícia, contrariamente ao grande
esportista, ao apresentador de televisão, ao profissional benfeitor, ao
político democrata nas cúpulas do Estado, à top
model ou ao milionário do show business, estes que são os aproveitadores do
bordel das imagens.
O
problema central, para quem quer se subtrair ao poder do poder, é de se
desembaraçar do cárcere de suas imagens, e, para isso, de saber quem é o chefe
de polícia de suas convicções mais íntimas. Qual é a compreensão subjetiva de
nosso consentimento ao mundo tal como está? Desde que a ideia de revolução dele
se ausentou, nosso mundo é apenas o recomeço da potência, sob imagens
consensuais e pornográficas, da democracia de mercado.
Meu
otimismo é que um pensamento forte, organizado e popular, que afronte tal
reinicio, pode interromper o ciclo do retorno, o qual nos levou a um estado de
coisas – a dominação ilimitada do capitalismo liberal – próximo daquele dos
anos 40 do século XIX. Destruir nosso chefe de política interior – nosso
consentimento em relação ao imaginário do bordel ocidental – não tem como
núcleo ativo a crítica do capitalismo. Aqueles que se contentam com uma crítica
da economia propõem invariavelmente um capitalismo regulado e adequado, não
pornográfico, ecológico e sempre mais democrata. Nada virá dessas quimeras.
A nudez poética do
presente
A
única crítica perigosa e radical é a crítica política e ativa da democracia.
Porque em nossos países o emblema do tempo presente, seu fetiche, é a
democracia. Enquanto nós não soubermos colocar em movimento, em grande escala,
uma crítica criativa da democracia, estaremos estagnados no bordel financeiro
das imagens. Nós seremos os servidores do casal formado na peça de Genet pela
dona do bordel e o chefe de polícia: um casal das imagens consumíveis e do
poder nu. De quais sortes de imagens desimaginantes necessitamos, nós que
tentamos manter aberta a porta pela qual evadimos da caverna de Platão, do
reino democrático das imagens sem pensamento? Como encontrar a força de evadir
da fantasia contemporânea e de se tornar os comunistas de um novo mundo? Como
diz em “le Balcon” um dos revoltados: “Como aproximar a Liberdade, o Povo, a
Virtude, e como os amar se a gente os idealiza e os torna intocáveis?! É
preciso deixá-los em sua realidade viva. Que a gente prepare poemas e imagens que não deem prazer, mas que irritem.”
Preparemos,
então, esses poemas e essas imagens que não satisfaçam nenhum de nossos desejos
serviçais. Preparemos a nudez poética do presente.
Texto publicado no "Le nouvel observateur", no dia 24/01/2013. Disponível em: http://tempsreel.nouvelobs.com/culture/20130124.OBS6607/pornographie-de-la-democratie.html (Tradução: Vinícius Nicastro Honesko)
Imagem: Cena de "Le Balcon", de Jean Genet (em 1974)
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