Na incomensurável ansiedade, deitado, folhando uns contos de Calvino, li: "toda vez que me acontece não entender alguma coisa, então, instintivamente, me vem a esperança de que seja de novo a boa ocasião para que eu volte ao estado em que não entendia mais nada, para me apoderar dessa sabedoria diferente, encontrada e perdida no mesmo instante." O lampejo agudo da finitude, num vislumbre do caos e do sem sentido da vida, me lançava, tal como a personagem do conto, ao instante da perdição. "Há esperança, mas não para nós", supostamente diz Kafka a Janouch. Para mim, todo o vazio que saltava aos olhos nesse momento de fragilidade, de exposição, dizia menos respeito à sensação em si - a esse saber, quase sem palavras, sobre o absurdo do mundo - do que ao deserto que se abria em meu interior, um deserto onde, bem em seu centro, de um vulcão jorrava lava em abundância. Agora, neste teclado - o grande amontado de sem-sentidos que são as letras - o toque dos dedos, quase adormecidos pela droga, apenas parece querer desenhar, numa foto desfocada, as improváveis fábulas que fazem o tecido da minha vida. Mundus est fabula, e falar - o verbo que talvez hoje seja quase impossível à boa parte dos viventes que supostamente possuem a linguagem -, fabular, me entrega aos meus algozes mais temidos, aqueles que, no meu íntimo, batem as estacas da finitude em meu peito. Nenhum sonho é mais possível, só sufoco; enterram-me à luz do dia, sem cerimônia, na agonia que destroça a carne, no mausoléu da vida nos tempos da banalidade da normalidade. Tudo sangra, em mim, tudo sangra. Só me resta o deserto onde nem mesmo a voz do batista, clamando, é capaz de fazer qualquer sentido. Espaços abertos, espinhos das rosas negras, lava que apaga a fábula do mundo, e só um silêncio ensurdecedor a me deixar, em abandono, à margem da vida, à margem da história, nos confins de mim mesmo...
Imagem: Max Ernst. Mundus est fabula. 1959.
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