Querida, mal acordo e me deparo, mexendo em meus papeis, com uma nota cuja caligrafia desconheço. Talvez essa letra redonda, aparada e precisa possa ser sua. Fico intrigado com o acaso da sua possível escritura, aliás, que fala sobre o acaso. Certa vez, talvez antes mesmo da sua existência, lhe enviei um poema cujos três primeiros versos agora repito:
La tierra giró para acercarnos,
giró sobre sí misma y en nosostros,
hasta juntarnos por fin en este sueño
O sonho em que nos juntamos terminou junto com a descoberta da sua nota, porventura uma pequena carta a mim remetida num dos disparates guiados pelo seu olhar profundo. O giro da terra borrou minhas memórias concretas, ainda pintadas na parede do quarto onde nos guardávamos tal qual dementes perdidos na terra dos desejos. Pode ser que esta carta seja ridícula, como fala um outro imaginário e impossível, Álvaro de Campos, mas, ainda assim, também impossível de não ser escrita. Aliás, o sonho em que nos juntamos depois do giro da terra foi o mesmo que colocou fim a sonhos anteriores, escritos em outras cartas, mapeados por outros aventureiros, e não passamos disso. Não há salvação para quem caiu no jogo da escritura, querida. E assim lembro do Bolaño, que você talvez nunca leu, quando, perto do leito de morte, ao responder a pergunta "O mundo tem remédio?", disse: "o mundo está vivo, e nada vivo tem remédio, e essa é nossa sorte." Nossa sorte, o irremediável, está distante, está sempre em fuga, como por vezes estive de você (mas não é essa a experiência amorosa que os provençais perceberam? Todo amor não é sempre amor de lonh, como cantava Jaufré Rudel? - Iratz e dolens m'en partirai / S'eu no vei cest'amor de lonh). Acho que começo a divagar sobre a sorte do meu dia, querida (sorte encontrada naquelas letras redondas que suponho serem suas), e disso não mais quero lhe falar. Por outro lado, não poderia, depois de tanto tempo sem lhe escrever, terminar esta carta como quem se dá por exausto. Não! Aliás, nem mesmo a termino. Apenas a deixo a você como uma nota, cuja caligrafia talvez você desconheça, falando, mais uma vez, sobre o acaso, sobre o giro que a terra deu para nos aproximar mas que, hoje, talvez seja o giro de um amor distante...
Do seu remetente impossível.
p.s.: mando também um poema em que ressoam timbres de outras cartas que poderia lhe escrever.
La tierra giró para acercarnos,
giró sobre sí misma y en nosostros,
hasta juntarnos por fin en este sueño
O sonho em que nos juntamos terminou junto com a descoberta da sua nota, porventura uma pequena carta a mim remetida num dos disparates guiados pelo seu olhar profundo. O giro da terra borrou minhas memórias concretas, ainda pintadas na parede do quarto onde nos guardávamos tal qual dementes perdidos na terra dos desejos. Pode ser que esta carta seja ridícula, como fala um outro imaginário e impossível, Álvaro de Campos, mas, ainda assim, também impossível de não ser escrita. Aliás, o sonho em que nos juntamos depois do giro da terra foi o mesmo que colocou fim a sonhos anteriores, escritos em outras cartas, mapeados por outros aventureiros, e não passamos disso. Não há salvação para quem caiu no jogo da escritura, querida. E assim lembro do Bolaño, que você talvez nunca leu, quando, perto do leito de morte, ao responder a pergunta "O mundo tem remédio?", disse: "o mundo está vivo, e nada vivo tem remédio, e essa é nossa sorte." Nossa sorte, o irremediável, está distante, está sempre em fuga, como por vezes estive de você (mas não é essa a experiência amorosa que os provençais perceberam? Todo amor não é sempre amor de lonh, como cantava Jaufré Rudel? - Iratz e dolens m'en partirai / S'eu no vei cest'amor de lonh). Acho que começo a divagar sobre a sorte do meu dia, querida (sorte encontrada naquelas letras redondas que suponho serem suas), e disso não mais quero lhe falar. Por outro lado, não poderia, depois de tanto tempo sem lhe escrever, terminar esta carta como quem se dá por exausto. Não! Aliás, nem mesmo a termino. Apenas a deixo a você como uma nota, cuja caligrafia talvez você desconheça, falando, mais uma vez, sobre o acaso, sobre o giro que a terra deu para nos aproximar mas que, hoje, talvez seja o giro de um amor distante...
Do seu remetente impossível.
p.s.: mando também um poema em que ressoam timbres de outras cartas que poderia lhe escrever.
Nenhum comentário:
Postar um comentário