segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Glosa marginal ao Soneto de Fidelidade


e se a vida não fosse mais que esta sequência de estórias indefinidas, imponderáveis, incompletas
um grande labirinto sem centro e sem buracos para se esconder
e se meus dias não se passassem neste úmido equador metafísico
entre a indecência e o desespero
talvez eu pudesse cuidar de você

as portas-estandartes das femmes authentiques me chamariam de canalha, ora esta,
cuidar de uma mulher autônoma
mas cuidar não é carregar a bolsa
(tenho vontade de dar voz de assalto ao modernóide com a bolsa da companheira à tiracolo)
nem respeitá-la como a putinha sacra da princesa da Inglaterra
é tratá-la como mulher, ponto.  

todos nós inautênticos metafísicos canalhas poetas desesperados
leitores do Bolaño e de outros cachaceiros
precisamos é de um colo

quer ser sugada para o buraco negro de uma vida bretoniana?
às travessuras e travessias de um huckleberry finn crescido
que ainda sonha em se alistar em alguma guerrilha de quinta
por mera aventura?

aceitaria minha intolerância à presunção literária bundona que nos ronda
ao ponto de dizer que o tal de galera, que você gosta, é um cretino sem precisar ler nada do sujeito?
aceitaria meus pesadelos e, por vezes, meu mutismo? 

aceitaria minhas derivas etílicas ao lado de um insurgente Marechal
conduzindo as moças do centro velho?
aceitaria que a vida finda e que nenhum jardim ou cercania poderá ser planejado
se sonho com selvas e desertos?
aceitaria um amor tuaregue
sem videoprogramas dominicais
mas com uma rede e a ideia repentina de morar um tempo no Tocantins?

e, se for responder sim a estas provocações,
que isto não fosse feito na frente de um padre, pároco, pastor, professor, cartorário
ou outro filho da puta deste mundo das merdas administradas?

Imagem. Edward W. Kemble, Ilustração da edição de "The Adventures of Huckleberry Finn", 1885.

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