As palavras me vêm como pedregulhos atirados por esses insolentes moleques da vizinhança. Armo-me com uma tesoura para cortá-las, melhor, para dissecá-las e colocá-las à luz. Insuspeitado, como o velho Murilo, vejo-as como elementos que se assanham e querem me ajudar a organização do meu lúcido delírio. Moleques travessos! Não tenho mais forças e sucumbo com a primeira pedrada em minha cabeça. Tento, mais uma vez, apanhar os resquícios de sentido que elas poderiam me trazer. Petardo! E nada mais. Dominam-me impressões avassaladoras do inconveniente de ter nascido (mas que bom inconveniente...). Batalho em vão. São as imagens das Highlands que minam o Canal Grande de Venezia e, como as pedras, derrubam-me. Se um livro é um suicídio diferido, Cioran, sua matéria, as palavras, é a morte a conta gotas.
Imagem: Nicola Scafidi. Emigrante. Palermo, 1960.
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