sábado, 29 de dezembro de 2012

Pequeno delírio em parágrafo V


Se a serpente destila veneno por suas presas, o escritor o faz por meio de seus dedos no teclado. A vontade inóspita de desfazer-se dos sentimentos em letras, em sons suscitados no ato da escrita, na voz que lhe falta a todo instante - que, no entanto, a serpente possui desde seus primeiros movimentos. Desfaçatez é a escrita - é o delírio do animal de voz articulada. É com ódio que rompo meu silêncio e tento lançar essas vexatórias palavras ao tempo, ao relento. Descobertas, palavras perdidas, é a vida que crepita junto com o som seco dos dedos no teclado. É o veneno que, aos poucos, conduz à morte. 

Imagem: Paul Gauguin. Autorretrato. 1889. National Gallery of Art, Washington.

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