A especulação - teológica, metafísica -, esse fazer-se dois per speculum, está arraigada na pretensão ingênua de um sentido absoluto, o "um sentido", como modo de nos com-preender. Vagamos como corpos cindidos, destituídos de qualquer integração e, desde quando tal cisão se deu - talvez, no fundo de uma caverna, segurando uma tocha e fugindo do frio, ao soprar pigmentos sobre a mão espalmada no granito daquele interior sombrio e, com isso, ver o distanciamento de si, uma imagem, uma specie de si -, insistimos na tentativa incansável de união, de comunhão, de comunidade. Sob as sombras desse passado presente, elevamos monumentos de sentido, tentamos fazer do per speculum a razão suficiente de um mundo do qual somos os senhores e únicos habitantes. Tentamos arrancar a máscara da impossibilidade de solidão com as ferramentas da comunhão, e não nos damos conta da necessidade de uma com-solidão. Sozinhos uns com os outros e, também, com nossa própria imagem de si: somos os perfeitos fantasmas da imaginação; somos a construção absoluta do espaço vazio entre nosso corpo e nossa especulação. Nenhum sentido único, nenhum ponto de passagem à consecução de um sentido do ser (aí, aqui, acolá, pouco importa). Somos o resíduo, o chorume, disso a que demos o nome de história. Não há realização per speculum, tampouco in concreto, pois não há o real de uma ação. Não há senão vazio, e espaço percorrido por imagens, sentidos frágeis que se soldam e somem como os passos dessa mesquinha humanidade nas areias à beira-mar. Não há salvus, não há são, não há sanidade. Restam fagulhas de lucidez no torpor do fadigado e claudicante aglomerado de bichos que articulam aquilo que não sabem bem o que é, mas que é o pressuposto do saber: as letras. Atravessados por luz, somos os eternos duplos de nós mesmos.
Imagem: Francisco de Goya y Lucientes. Até a morte. 1799.
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