Sobre ele encontrava-se uma imensidão de entulhos: uma massa disforme das mais variadas coisas, todas elas habitantes de suas lembranças. Para ele, naquele exato momento, era impossível se mover. Permanecia inerte e sufocado pelo peso de tudo aquilo. Ao mesmo tempo, entretanto, num paradoxo inimaginável, era como se a possibilidade de livrar-se dos entulhos não pudesse liberá-lo, libertá-lo. Era como se tivesse que "acertar as contas" com cada um dos infindáveis objetos que lhe impediam o movimento. Era como o impossível (comparação desprezível e insignificante, pois o impossível é o interdito por excelência). Tomou, de repente, uma daquelas coisas sob as quais se encontrava e viu que se tratava de algumas frases de um colega de Che Guevara. Leu em voz alta: "A letra mata, talvez, porém faz durar e reviver." Imediatamente se deu conta da malfadada operação de libertação em que se encontrava. Jamais conseguiria novamente se mover; era agora a letra que, de modo contrário ao que pensam os juristas, jamais é morta, mas, tal como acabara de ler, o que mata. Estava morrendo (isso, este continuísmo no presente, também um insignificância no que diz respeito à morte). Inscrito, escrito, marcado, seu mundo não existia senão como as salutares coisas que agora o pressionavam com um peso inaudito (e, de fato, o espanto nunca se ouve, nunca é trabalho de uma voz, mas do corpus assustador que um dia se ousou dar nome, assinalar com o peso assassino da letra). Completamente perdido em si mesmo - esta, sua maior prisão -, não havia mais como respirar. Como alguém que acaba de perder a visão, desesperado, tentou aplacar o medo do encontro com o sem nome - que de algum modo, como um profeta, o dono da vox clamantis in deserto, intuía estar próximo - com um grito surdo. E tal grito, de maneira contrária àquela de Adão (que, ao decair, exclama um "ai", uma pura interjeição de dor que abre aos homens o tempo histórico, o tempo das letras e dos sons significantes), jamais poderá significar um tempo, isto é, nunca lhe dará uma história (seja a malfadada history ou as encantadas stories). Morre, não em silêncio, mas com o grito de mais puro silêncio: eis o último homem.
Imagem: Caravaggio. São Jerônimo. 1607. Museo di S. Giovanni, La Valletta.
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